domingo, 19 de dezembro de 2010

Governo Lula

Interpretando os números

O Presidente Lula chega ao final de oito anos de governo com inéditos e consagradores 83% de aprovação. Muitas podem ser as razões elencadas para explicar o fenômeno. Lula é um personagem-símbolo da história recente do país. Emergiu das lutas sindicais e do movimento pela redemocratização. Fundou o PT e a CUT. Disputou quatro eleições presidenciais até alcançar a vitória. Revelou-se um líder carismático, um notável negociador e um hábil estrategista. Construiu uma profunda identidade com os segmentos sociais historicamente excluídos. Indubitavelmente, será sempre lembrado na história brasileira.

Para além de todos esses atributos, vou repetir argumentos publicados em artigos anteriores: está na economia a principal explicação para a popularidade de Lula. Seu governo termina com o menor índice de desemprego (5,7%) desde que foram iniciadas tais medições pelo IBGE. Sob Lula, a economia brasileira voltou a crescer, houve redução da pobreza e crescimento da classe média. A estratégia foi distribuir renda, facilitar o crédito, elevar a capacidade de consumo, ampliar o mercado interno e com isso sustentar a expansão da produção e a criação de novos empregos.

Os ricos ganharam. Os banqueiros continuaram financiando o déficit público em troca da mais elevada taxa de juros do mercado financeiro internacional. Os investidores externos continuaram trazendo suas empresas para o país em troca de acesso a um dos maiores mercados de consumo em expansão. Os empreiteiros continuaram ampliando suas operações com as obras do PAC. O BNDES elevou a oferta de crédito a juros subsidiados para facilitar a fusão de empresas brasileiras, transformando-as em líderes mundiais nos seus respectivos segmentos de mercado.

Os pobres também ganharam. "Bolsa-família", "Minha casa, minha vida", "Luz para todos", "PRONAF", "Programa de Aquisição de Alimentos - PAA", "Territórios da Cidadania", são exemplos de políticas públicas com forte repercussão social, além da elevação do valor do salário-mínimo acima da inflação e da expansão da cobertura da previdência social, que tiveram significativo impacto na elevação da renda e das condições de consumo dos grupos sociais historicamente excluídos.

Para sustentar esse modelo, chegaremos também à maior carga tributária da história: 37% do PIB se alcançarmos o crescimento esperado de 7,5%. Houve expansão das despesas correntes, redução da poupança interna e manutenção dos investimentos nos mesmos patamares dos governos anteriores, quando a economia não cresceu. Isso significa que temos um crescimento baseado na sustentação de uma bolha de consumo, alimentada por crédito barato e endividamento das famílias.

Enquanto todos compram celulares, TVs de tela plana, carros, motos, imóveis etc., a saúde e a educação entram em colapso. Nosso desempenho nos mais recente PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que comparou 65 países, foi de 53° lugar em leitura e 57° lugar em matemática. A falta de educação afeta também os níveis de cultura e participação política. No último ranking mundial sobre democracia da revista "The Economist", o Brasil caiu do 41° para o 47° lugar.

O governo Lula melhorou a distribuição de renda, mas não conseguiu reduzir as desigualdades regionais. Segundo o IPEA, nos últimos 13 anos quase não houve nenhuma alteração na distribuição regional das riquezas. Enquanto o PIB per cápita da região sudeste é 33% maior que a média nacional, o da região nordeste é 53% menor que a média nacional. Há uma enorme concentração espacial da riqueza. Segundo o IBGE, seis capitais, com apenas 13,5% da população do país, concentram 25% do PIB.

Aparentemente, suceder um governo que termina com 83% de aprovação é um enorme desafio. Dilma Rousseff terá que enfrentá-lo. Mas é possível antever um caminho. Certamente, é preciso manter o crescimento, os empregos, a renda, o consumo. Todavia, também é possível fazê-lo melhorando os serviços de saúde e educação; criando oportunidades de trabalho em empreendimentos ambientalmente sustentáveis como a ampliação da energia eólica, solar e de biomassa na nossa matriz energética; substituindo a prioridade para o transporte individual pelo transporte público de qualidade; fortalecendo políticas públicas de desenvolvimento local que promovam a desconcentração do conhecimento, da riqueza e do poder político.

Tenho esperança de que uma mulher consiga compreender o desenvolvimento de uma outra maneira, que possa ir além do conceito tradicional, obsoleto e insustentável, baseado na idéia do crescimento e do progresso material ilimitado.

Juarez de Paula

sábado, 20 de novembro de 2010

Transição

Erradicação da pobreza

A primeira reunião de trabalho da Equipe de Transição do Governo Dilma Rousseff ocorreu nesta última quinta-feira, 18/11/2010, entre 14 e 17h, no Centro Cultural do Banco do Brasil. O tema escolhido: Erradicação da Pobreza. Fui um dos 25 especialistas convidados a apresentar idéias e propostas.

Estiveram presentes, pela Equipe de Transição, a Presidente eleita Dilma Rousseff, o Vice-Presidente eleito Michel Temer, Antonio Palocci, José Eduardo Cardoso, Nelson Barbosa e Clara Ant. Dentre os especialistas convidados, cabe destacar: Ricardo Paes e Barros, Marcelo Neri, Marcio Pochmann, Paul Singer, José Graziano, Laís Abramo, Márcia Lopes, Miriam Belchior, dentre outros.

Márcia Lopes, Ministra do Desenvolvimento Social, foi a primeira convidada a falar. Iniciou destacando os resultados alcançados com as políticas sociais do Governo Lula, ressaltando o Programa Bolsa-Família, o Sistema Único de Assistência Social e o Sistema de Segurança Alimentar. Defendeu vários temas como prioritários para uma política de erradicação da pobreza: inclusão produtiva, renda básica de cidadania, formação profissionalizante, micro-crédito, incentivo à economia solidária, atenção especial à pobreza rural, à juventude e à erradicação do trabalho infantil. Concluiu defendendo a necessidade de integração das políticas públicas nos territórios, como uma condição para o alcance de maior efetividade.

Ricardo Paes e Barros, o próximo convidado a falar, apresentou dados demonstrativos da redução da pobreza alcançada no Governo Lula. Defendeu a viabilidade "orçamentária" da erradicação da pobreza com investimentos da ordem de 8 bilhões de reais por ano. Apontou que as políticas atuais atingiram seu limite de "cobertura". Chamou atenção para a diversidade da pobreza e defendeu a necessidade de maior focalização e customização de soluções. Argumentou em favor de uma abordagem territorial e familiar, com integração das políticas públicas e um serviço de "coaching" executado por uma rede de agentes de desenvolvimento social.

Marcelo Neri, o convidado seguinte, também apresentou indicadores de redução da pobreza e estimativas de custos para sua erradicação. Defendeu a necessidade de focalização nos mais pobres dentre os pobres e na primeira-infância. Argumentou em favor de uma maior diversidade de soluções, de modo a permitir, aos beneficiários das políticas sociais, escolhas mais apropriadas a cada situação particular. Também defendeu a proposta de uma rede de agentes de desenvolvimento social. Finalmente, chamou atenção para a necessidade de redefinição da "linha de pobreza", de modo a possibilitar o monitoramento e avaliação das políticas sociais a partir deste parâmetro.

Seguiram-se as falas dos demais convidados, com um tempo mais restrito. Destaco algumas delas.

José Graziano defendeu a priorização da pobreza rural e da pobreza das periferias das áreas metropolitanas. Destacou a situação das mulheres pobres com filhos menores, que têm mais dificuldade de ingresso no mercado de trabalho. Argumentou também sobre a necessidade de políticas "pro-ativas", que busquem os pobres onde estão.

Paul Singer defendeu uma maior investigação qualitativa da pobreza, para conhecer melhor as diferentes realidades dos pobres e propor soluções customizadas. Colocou a idéia da "busca da felicidade" como objetivo estratégico a ser perseguido. Defendeu uma abordagem territorial, através de políticas de desenvolvimento local.

Juarez de Paula começou afirmando que a melhor forma de inclusão social é pela via do empreendedorismo. Defendeu a combinação de três políticas sociais: apoio ao desenvolvimento local/territorial, apoio às tecnologias sociais e apoio aos fundos solidários/rotativos. Argumentou que já existem experiências exitosas que precisam ganhar escala. Destacou que essas políticas consideram a lógica da territorialização e da customização de soluções, valorizando o protagonismo e a conquista da cidadania. Concluiu defendendo a continuidade do Programa Territórios da Cidadania, ampliando sua atuação de modo a incluir as áreas urbanas, sobretudo as periferias das áreas metropolitanas.

Maya Takagi defendeu a priorização dos grupos mais vulneráveis, a exemplo dos "sem registro civil", dos analfabetos, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos indígenas, dos sem-teto, etc. Defendeu também a integração das políticas públicas nos territórios, onde a articulação pode ser tornar mais efetiva.

Laís Abramo defendeu a priorização das mulheres, sobretudo as jovens e negras. Destacou a necessidade da erradicação do trabalho infantil. Argumentou em favor das creches como condição para a inclusão produtiva das mulheres.

Daniel Vargas defendeu a criação de uma plataforma nacional de políticas sociais baseada numa "Lei de Responsabilidade Social", no "Serviço Civil Obrigatório" para bolsistas universitários e num plano de metas com incentivos e sanções para Estados e Municípios.

Marcio Pochmann falou sobre a necessidade de chegar ao "núcleo-duro" da pobreza que ainda não é alcançado pelas políticas sociais. Falou sobre a segregação espacial da pobreza, o que justifica uma abordagem territorial. Falou sobre a transição do trabalho material para o trabalho imaterial, processo que gera novas exclusões e novos pobres. Defendeu a redefinição da "linha de pobreza", as políticas de desenvolvimento local e a construção de um "pacto nacional" pela erradicação da pobreza.

Nelson Barbosa defendeu a priorização de um programa de creches que permita o atendimento da primeira-infância (crianças de 0 a 4 anos), com alimentação, educação e saúde, quebrando o ciclo de reprodução da pobreza.

Miriam Belchior argumentou que as políticas atuais estão corretas, devem ser mantidas, mas que é preciso ampliar a cobertura e aprimorar a gestão. Defendeu a manutenção do Programa Territórios da Cidadania como um bom ensaio de integração de políticas públicas nos territórios.

Antonio Palocci colocou a necessidade de continuidade e aprofundamento do debate.

Convidados a tentarem fazer uma síntese final, os três primeiros oradores foram novamente chamados a falar.

Marcelo Neri destacou a introdução do conceito de "felicidade" como um objetivo estratégico relevante. Reforçou a idéia da diversidade e customização das soluções e a proposta da rede de agentes de desenvolvimento social.

Ricardo Paes e Barros destacou a necessidade do foco no atendimento e acompanhamento familiar, através da rede de agentes de desenvolvimento social. Reforçou a idéia da convergência das políticas nos territórios, como no Programa Territórios da Cidadania. Defendeu mais gestão, acompanhamento e avaliação como uma forma de dar um salto de qualidade nas políticas já existentes.

Marcia Lopes defendeu a criação de um forum permanente de debate das políticas sociais. Reconheceu que a capacidade de gestão é um dos limites atuais. Defendeu soluções de desenvolvimento local e territorial como o Programa Territórios da Cidadania. Defendeu a necessidade de ampliar a cobertura e a escala das políticas atuais. Concluiu argumentando em favor de uma visão sistêmica do combate à pobreza, o que exige a convergência das políticas públicas.

Concluindo a reunião, a Presidente eleita Dilma Rousseff afirmou que a escolha deste tema para a primeira reunião foi proposital, para deixar claro que a erradicação da pobreza é a primeira prioridade do governo. Concordou com a necessidade de investir num melhor mapeamento e conhecimento das realidades diversas da pobreza. Concordou com a necessidade de melhorar a gestão e a eficácia das políticas existentes, mas também com a necessidade de criar novas soluções customizadas. Concordou com a necessidade de manter o Programa Territórios da Cidadania como um esboço de estratégia de integração das políticas públicas. Concordou com a idéia de criação de um forum permanente do desenvolvimento social, para o qual gostaria de continuar contando com a contribuição dos convidados. A reunião foi encerrada.

Penso que esse tipo de reunião tem mais um caráter simbólico do que técnico. O importante não é o resultado imediato da reunião, o produto gerado, mas a construção de uma agenda temática que oriente as iniciativas governamentais. Nesse sentido, considero que foi um momento promissor.

Juarez de Paula

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Cenário pós-eleitoral

Eleições 2010 - algumas reflexões iniciais
 
Publiquei neste Blog, em 06/09/2010, um artigo intitulado "Explicando o óbvio", onde argumentei sobre as razões da provável e previsível vitória de Dilma Rousseff. Considero desnecessário voltar às mesmas questões. Desejo, nesse artigo, explorar novos aspectos, partindo dos resultados das urnas.
 
Contrariando a expectativa de diversos estrategistas e analistas, não houve correspondência entre os resultados das eleições presidenciais e das eleições para governadores de estados. Os exemplos são muitos: no AC o PT elegeu o governador, mas Serra venceu; em RO o PMDB elegeu o governador, mas Serra venceu; no PA o PSDB elegeu o governador, mas Dilma venceu; no TO o PSDB elegeu o governador, mas Dilma venceu; no RN o DEM elegeu o governador, mas Dilma venceu; em AL o PSDB elegeu o governador, mas Dilma venceu; no MT o PMDB elegeu o governador, mas Serra venceu; no MS o PMDB elegeu o governador, mas Serra venceu; no ES o PSB elegeu o governador, mas Serra venceu; em MG o PSDB elegeu o governador, mas Dilma venceu; no RS o PT elegeu o governador, mas Serra venceu. Uma evidência de que o voto não foi programático ou ideológico. O eleitor votou segundo o perfil dos candidatos, variando sua preferência independentemente das alianças partidárias.
 
Um número muito significativo de eleitores não votou nem em Dilma, nem em Serra. Foram mais de 38 milhões de eleitores, o equivalente a 28,2% do eleitorado, somando as abstenções (21,5%), os votos nulos (4,4%) e os votos em branco (2,3%). Isso evidencia um certo esgotamento da polarização entre PT e PSDB. Uma boa parte do eleitorado decidiu demonstrar que não se identifica com nenhum desses partidos ou com os candidatos que os representaram. É uma sinalização importante de um "vazio político" a ser preenchido.
 
O PSDB, mesmo derrotado nas eleições presidenciais, elegeu o maior número de governadores, vencendo em 8 estados, incluindo os dois maiores colégios eleitorais do país: SP, MG, PR, GO, TO, PA, RR e AL. Isso representou 45% do total de votos para governador. Considerando os dois governadores eleitos pelo DEM - SC e RN - é possível afirmar que as oposições terão força suficiente para manter um certo equilíbrio de poder.
 
O PSB surge como a principal força emergente. Elegeu 6 governadores: ES, PE, CE, PB, PI e AP. Estará apto a pressionar por uma maior participação no Governo Dilma e a fazer movimentações no sentido de sair da condição de coadjuvante do PT.
 
O PT elegeu 5 governadores: RS, BA, DF, SE e AC. Mesmo resultado obtido pelo PMDB: RJ, MT, MS, RO e MA. Reforça a situação de equilíbrio entre os dois partidos que ancoram a base do Governo Dilma e alimenta a disputa entre ambos por espaços de poder.
 
O PMN completa a base governista com o governador do AM.
 
Minha primeira impressão é de que o Governo Dilma iniciará sob forte pressão. Dilma não tem uma liderança consolidada. É uma invenção de Lula. Terá o ônus de substituir um mito e de dar continuidade a um governo com índices muito elevados de popularidade. Precisará se impor frente ao PT, ao PMDB, ao PSB e demais partidos aliados. Precisará evitar uma disputa interna que leve a uma situação de instabilidade política. Além disso, receberá o país numa situação econômica mais vulnerável. E terá oposição!
 
A oposição cresceu, ficou mais forte e absorveu o aprendizado de que precisa ser mais atuante, mais firme, mais contundente. Não terá em relação a Dilma a reverência que teve em relação a Lula. A segunda derrota de Serra na disputa presidencial e seu isolamento, durante a campanha, na relação com os aliados, implicou no seu enfraquecimento imediato. Mas Serra deu sinais de que pretende se manter na cena política. Portanto, considerando o hegemonismo paulista que caracteriza o PSDB, não é certa a emergência de Aécio Neves como a principal liderança da oposição. Mesmo porque seu perfil conciliador não seria o mais adequado para uma oposição que precisa afirmar sua identidade. Ainda assim, Aécio reúne as condições mais favoráveis, no momento, para liderar a oposição.
 
Há muitas especulações sobre uma eventual Reforma Política. Lula tem dito que deseja trabalhar pela constituição de uma Frente que reúna PT, PSB, PDT e PCdoB, além de outros aliados mais recentes. Na oposição, PSDB, DEM e PPS estão sempre cogitando uma eventual fusão. Caso seja aberta uma "janela de oportunidade" em relação às regras atuais de fidelidade partidária, poderá haver muita troca de partido.
 
É prudente aguardar as movimentações para composição dos futuros governos, que poderão implicar em alterações no cenário de alianças partidárias. Veremos.
 
Juarez de Paula

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Artigo de Marina Silva

Velado e revelado


Ao longo de mais de 30 anos construiu-se no Brasil um campo de conhecimento e de ação que, nestas eleições, furou a última carcaça que ainda o mantinha longe do nível mais decisório da vida do país: a política. Com um rico acúmulo de produção teórica, experiências práticas, conquistas legislativas, institucionais e culturais, as propostas socioambientais para um modelo de desenvolvimento que dialogue com o século 21 começam a ser reconhecidas como um projeto nacional, abrindo uma brecha para a formação de nova força política.

Esse é o horizonte. Para consolidá-lo temos longa batalha pela frente, mas o passo essencial está dado. O projeto socioambiental não quer frear a economia nem empatar o crescimento. Quer tão somente fazer o encontro entre economia, ecologia, justiça social e desenvolvimento durável. É preciso amalgamar, juntar as pontas, dar escala e visibilidade ao que já está disperso na realidade, comparar com o modelo ainda dominante, transformar em alternativa real de escolha política.

O caminho está aberto, e muita gente, quase 20 milhões de pessoas, se interessou por ele. Pela primeira vez um projeto identificado com uma visão de transição de grande impacto consegue saltar do quase total desconhecimento para um adensamento eleitoral tão relevante. É uma base excepcional para pensar a construção de uma terceira via, para não só quebrar a polarização conservadora hoje representada pelo confronto PT X PSDB, como para motivar novos contingentes de brasileiros a assumir uma prática política ativa e nova, mais integradora, não destrutiva e menos obcecada por hegemonia.

A experiência de uma campanha desse porte extravasou minha capacidade de apreendê-la em toda sua riqueza, nesse momento. Vi-me entre um Brasil revelado – e que quer se revelar - e um Brasil velado, que quer se esconder na velha política das coisas meio vistas, meio ditas, meio comprometidas, meio esfumaçadas, inteiramente ultrapassadas. No cotejo entre ambos, fica patente o enorme equívoco do Brasil velado. Não percebe a intensa predisposição dos brasileiros a ouvir opiniões sinceras, que valorizam mesmo quando não concordam com elas. Preferem que a disputa se faça pela exposição do pensamento, das propostas e das práticas, não por meio de técnicas de mútua desconstrução, da qual ninguém sai maior. Nem atacante nem atacado, nem a ética nem a política.

Uma revelação honesta vale mais que a resposta ensaiada. Senti isso de maneira enfática na juventude. Em Varginha, Minas Gerais, uma escola inteira pressionou os professores para ir até o auditório da cidade ouvir minha fala. Em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, um grupo de jovens fez por sua própria conta cartazes improvisados de cartolina para aguardar nossa passagem. Essas manifestações movidas a pura vontade me deixam certa de que há uma terceira via política, vigorosa e inovadora, pedindo passagem. Para quem, como eu, disse que queria ser mantenedora de utopias, não poderia haver maior realização.

Ao mesmo tempo, constatei a força dos costumes que empurra muita gente a cobrar dos candidatos o ataque na jugular do oponente, o fazer dos defeitos alheios o seu trampolim. Ao me recusar a isso, parecia a muitos, num primeiro momento, que não estava sendo suficientemente contundente. Parte da imprensa vai muito por essa linha. O que surpreendeu a esses é que a nossa opção teve grande acolhimento. Há, de fato, espaço para tratar de problemas no seu mérito e na qualidade das soluções propostas.

Essas eleições merecem leituras criteriosas e profundas, não meras justificativas partidárias. É preciso reconhecer a exaustão do sistema político e a crise no campo social-democrata que acabou servindo, tanto do lado do PT quanto do PSDB, de biombo para a sobrevida política de velhas oligarquias. A campanha do Partido Verde causou perplexidade porque saiu do roteiro previsível e se legitimou de tal forma que exigiu respostas e sinalizações das demais campanhas. Que isso não seja considerado mero acidente de percurso, que não se pense que é modismo, porque não é.

Agora, o desafio do PV, do campo socioambiental e de todos aqueles que sentiram esperança numa mudança política, é colocá-la de pé. O desafio dos vencedores ou dos que ficarão na oposição é dialogar com a realidade e a complexidade do mundo e do Brasil de hoje, saindo do casulo de suas estratégias de poder reducionistas. Tenho certeza de que todos os eleitores esperam por isso, independentemente de suas paixões partidárias.

Como disse na Carta Aberta enviada a Dilma Roussef e José Serra, “não há mais como fechar os olhos ou dar respostas tímidas e insuficientes às crises que convergem para a necessidade de adaptar o mundo à realidade inexorável ditada pelas mudanças climáticas”. E repito aqui: o principal desafio não é a natureza, é a urgência de encararmos os limites dos nossos modelos de vida e de darmos um salto civilizatório, de valores.

A sociedade, afirmei na Carta Aberta, está entendendo cada vez mais o papel dessa mudança para o país, a humanidade e o Planeta. Os votos que me foram dados podem não refletir conceitualmente essa consciência, mas refletem o sentimento de superação de um modelo. E revelam também a intuição de que o grande nó está na política, porque é nela que se decide a vida coletiva, se consolidam valores ou a falta deles.

Essas eleições nos mostraram uma oportunidade única de inflexão. Será extremamente injusto com o Brasil não aproveitá-la.

Marina Silva, 52, é senadora do Acre pelo PV, foi candidata do partido à Presidência da República nestas eleições e ministra do Meio Ambiente do governo Lula (2003-2008).

O Estado de São Paulo, 01/11/2010

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Artigo de Antonio Augusto de Queiroz

Quem são e para onde irão os eleitores de Marina Silva?

A resposta a esta pergunta será dada pelas pesquisas qualitativas que estão sendo feitas pelos institutos de pesquisa e pelas urnas no dia 31 de outubro, mas já é possível antecipar algumas constatações desse processo eleitoral, que está em fase de decantação. Minha hipótese é de que o peso político de Marina Silva é menor do que os votos que recebeu e que seu partido, o PV, é menor e menos verde que ela.

A senadora Marina Silva foi apresentada pela intelectualidade e pela mídia como a candidata ideal: mulher, religiosa, de origem humilde, comprometida socialmente, defensora do meio ambiente, honesta e sem o suposto radicalismo do PT nem o conservadorismo do PSDB. Seria a terceira via, embora não dispusesse de grande estrutura partidária, tempo de televisão e recursos para uma campanha presidencial.

Com esse perfil, Marina recebeu votos de um eleitorado difuso, que pode se classificado em quatro grupos: a) o da fadiga, b) o flutuante, c) o da revanche ou do troco, e d) o convicto.

O primeiro grupo, da fadiga, é composto por eleitores que não estão satisfeitos com o PT nem têm saudades do PSDB. Esse grupo descarregou seus votos na Marina menos por convicção e mais por considerá-la uma candidata simpática, honesta, boazinha, que poderia, eventualmente, se converter numa terceira via. Foi falta de opção.

O segundo grupo, o flutuante, foi determinante para levar a eleição para o 2º turno. É composto de eleitores pendulares, que não queriam José Serra, estiveram indecisos um período, declararam votos para Dilma, mas próximo da eleição desistiram e votaram em Marina.

Esse grupo é muito heterogêneo. É formado por eleitores que não gostaram dos escândalos no Governo (quebra de sigilo e episódio da Casa Civil) e também se deixaram influenciar pelos boatos de que a candidata Dilma era a favor do aborto, da união civil de pessoas do mesmo sexo e que teria declarado que “nem Cristo" tiraria sua eleição em primeiro turno.

Especula-se que neste grupo, formado majoritariamente por potencias eleitores de Dilma, inclui-se até gente de partidos da base aliada, que, certo da vitoria da candidata governista, teria (por ação ou omissão) consentido levar a eleição para o 2º turno como forma de reduzir o poder do PT e forçar uma negociação política em novas bases, inclusive com o fortalecimento dessas forças na coordenação de campanha.

O terceiro grupo, o da revanche ou do troco, é formado por pessoas que antes votavam no PT, mas que se sentiram traídas ou chateadas com determinadas políticas públicas ou com a postura das autoridades.

Esse grupo inclui, por exemplo, os aposentados do serviço público que tiveram que pagar contribuição previdenciária, os pensionistas que tiveram redução na pensão, os servidores que não tiveram reajuste, além de pessoas que resolveram punir o PT por suposta arrogância no Governo.

O quarto grupo, o da convicção, é formado pelos eleitores que tem certeza do voto, ou seja, acham que Marina é mais preparada para governar e possui o melhor programa. É um grupo heterogêneo, formado majoritariamente por intelectuais, jovens, por pessoas de classe média alta e também por gente humilde. Seu universo, entretanto, não passa de 5% do eleitorado brasileiro ou um terço dos votos da Marina.

Entre os postulantes à presidência da República, Marina foi poupada pelos dois principias candidatos, José Serra e Dilma Rousseff, ambos interessados em seus votos, na hipótese, que afinal se confirmou, de 2º turno.

Ninguém poderá afirmar, com certeza, para quem irão esses votos, se para Dilma ou Serra, ou, se ainda, serão anulados. O mais provável é que estes votos sejam distribuídos igualmente entre Dilma, Serra e abstenção ou nulos. Neste caso, se Dilma mantiver os votos do primeiro turno e acrescentar mais um terço dos votos dados a Marina terá sua eleição assegurada. É essa a minha aposta.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político, diretor de Documentação do Diap e autor dos livros “Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis” e “Por dentro do Governo – como funciona a máquina pública”.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Artigo de Rafael Peixoto

Porque Marina deve ser neutra

O primeiro turno passou, e saímos dele com vinte milhões de votos. São vinte milhões de brasileiros que fizeram de Marina Silva a sua porta-voz. E notem a mudança estrutural vivida: o voto em Marina não foi um voto de protesto, como quem vota no Tiririca ou na Mulher Pêra. Antes, foi uma opção clara e consciente por um projeto de governo. Um projeto compartilhado por pessoas que não se furtam a assumir suas responsabilidades para com suas famílias, suas comunidades, seu País, seu mundo. Que desejam um Brasil inserido entre os países desenvolvidos, porém com respeito às diferenças. E que admiram a coerência entre discurso e ação, a praxis que tangibiliza valores e ideais.

Há uma história vívida de luta pela democracia no Brasil. A geração dos meus pais enterrou milhares dos seus melhores jovens nas trincheiras da guerra suja contra a Ditadura. Lutaram com panfletos, sensibilidade e discurso. Quando não funcionou, alguns pegaram parabelo e peixeira. Já no fim, aparentemente derrotados pela supremacia feia das armas, lutaram com a resiliência das salas de aula, criando mentes para fazer a hora, e não mais esperar acontecer. São pessoas que choraram nas Diretas Já e que abraçaram seus filhos e pais quando veio a Anistia. São pessoas que, após a falência da metalidade yuppie de toda uma geração, criaram seus filhos valorizando as diferenças, admirando a contestação embasada na solidariedade, na justiça social e no respeito ao meio ambiente. São, em resumo, pessoas calejadas que valoriozam a democracia sobretudo, independentemente de coloração. Basta lembrar que na mesma trincheira tínhamos Serra, Gabeira, José Dirceu e Dilma. No outro pólo, numa linha desarmada, porém não menos relevante, tínhamos Lula. E num rincão do Brasil tínhamos Marina e Chico Mendes, o exemplo brazuca das lições de Gandhi e sua resistência pacífica, buscando justiça na mata sem lei da Amazônia. A geração dos meus pais lutou pela democracia. E os vinte milhões de votos de Marina são o melhor exemplo da maturidade democrática do Brasil.

E estou aqui para falar também dos seus filhos, as gerações X e Y, pra manter uma terminologia modernosa. Nós – sou um X tardio ou um Y precoce, vocês escolhem – somos diferentes. Em primeiro lugar, falar de contestação conosco é mais do mesmo. Nós tivemos pais tolerantes e descolados, até pedimos conselhos a eles o tempo todo, nada dessa linha doida de rebeldia inconsequente. Nós valorizamos o livre discurso, tão consolidado na democracia libertária e anônima da Internet. Nós nos sabemos brasileiros, parte de um País que já viveu seus momentos mais medonhos e tristes, mas que se ergueu com o “vamos fazer juntos”. Não temos o ranço triste e lúgubre da luta contra a Ditadura, porque nossos pais já sofreram o suficiente, e stamos cansados de lágrimas. Somos habitantes do mundo wiki, do universo colaborativo, da Terra como uma grande nação. Nossos pais nos deram segurança, então somos pessoas bem resolvidas, de opiniões fortes, para quem a autoridade instituída é apenas mais um trabalho. Duvido ver um jovem chamando um presidente de Senhor, só se for obrigado.

Nossa relação de hierarquia reside na admiração. E nossa admiração reside no coletivo, na livre circulação de ideias. Somos jovens, alguns, como eu, já na casa dos 30, outros nos 20, e alguns adolescentes que em quatro anos vão chegar às urnas. O Brasil é um país jovem. E nós não somos burros.

Por isso escolhemos Marina.

Nós sabemos que um projeto de poder não deve e n ão pode ser mantido a qualquer custo. E defendemos Marina Silva porque sua vida corrobora esta máxima. Ao discordar de Dilma Roussef e do Governo Lula, Marina rompeu um casamento de décadas com o PT. Sua aparente fragilidade oculta um gigante, cuja força, sensibilidade, senso de justiça e coerência foram calcificados em uma vida de seringais, de protesto contra a servidão e o latifúndio, de força de vontade e, sobretudo, de afeto. Afeto pelo brasileiro, seja ele pobre ou rico. Afeto pela sua família, suas crenças, seus ideais. Afeto pelo Brasil, esta nossa terra que vaga na dicotomia entre belezas naturais e bizarrices socioeconômicas. Se recebiam Marina à bala, ela respondia com palavras e atitudes, uma mulher que sabe o poder das construções semânticas, a força do verbo contra o poder da faca, a força das massas contra o poder individual, exatamente como os pensadores da nossa geração. Nós conhecemos o poder acachapante da resistência pacífica e das torres vetustas das palavras. Aí está porque votamos em Marina. E nós não confiamos levianamente.

Nós somos vinte milhões de brasileiros. E não vamos admitir que Marina apoie quaisquer dos candidatos à presidência no segundo turno sem uma consulta aos seus eleitores. Esta não pode ser uma decisão exclusiva da cúpula do PV.

Vejam, nós buscamos um novo caminho. Sabemos que às vezes um projeto de poder exige sacrifícios, e que faríamos muito pelo Brasil com dois, talvez três ministérios em nossas mãos. Mas não são estes os projetos de País que defendemos. Não queremos o niilismo econômico e social da espúria aliança entrre PSDB e Democratas. Tampouco nos agrada o milagre econômico – quando ouvimos isso antes? – com verniz stalinista sinalizado por PT e PMDB, ainda que admitamos as óbvias b enesses que o Governo Lula trouxe para o Brasil. Quem votou em Marina não é tão ingênuo. Não aceitaremos uma heroína com pés de barro.

Tenho orgulho de ser uma pessoa esclarecida, inteligente e sobretudo pragmática. Em política, sei-me sempre obstinado na defesa de minha particularíssima visão de mundo, protegendo o cimento ideológico que me mantém coeso. Meu pragmatismo – homem de comunicação que sou – pede uma aliança. Não preciso prender-me a análises de cenário, qualquer cientista político já elencou vantagens e desvantagens das polarizações do PV e da Marina entre os dois jogadores do segundo turno. Acredito que cada eleitor de Marina tem igual capacidade de analisar os retornos práticos de uma aliança com Dilma ou Serra.

Mas subitamente vejo-me jogando fora meu pragmatismo, meu racio nalismo. Porque meu voto em Marina não foi apenas racional. Foi antes de tudo um voto de esperança num Brasil menos pragmático e mais sensível. Num governo que analise estrategicamente as mais relevantes questões nacionais, com a coragem de sugerir soluções impensadas e por vezes aparentemente irracionais, mas que em vinte anos mostrar-se-ão as mais acertadas. Visão de futuro é um misto de racionalidade e sentimento. Meu governo ideal é um governo com visão de futuro. E a visão de Dilma e Serra é um futuro do pretérito, um futuro reativo e careta, limitado pela racionalidade mecanicista e parcial de pessoas presas a um passado maniqueísta. E o mais incrível, duvido que qualquer um deles tenha sofrido mais do que Marina, lá nos seringais do Acre. É preciso coragem para deixar de lado o rancor de uma vida inteira de privações. Marina teve esta coragem, enquanto Serra e Dilma chafurdam em sua covardia, brandindo seu poderio autoritário como se fossem os su cessores daqueles com quem lutaram. Serra difamou Dilma e planejou estratégias para o segundo turno no velório do pai do Aécio Neves. Dilma tentou calar a imprensa e abafar o absurdo tráfico de influências em todas as esferas dos três poderes. É um jogo sujo. Uma mulher como Marina não pode apoiar pessoas assim.

É por isso que sou pela neutralidade em cenário nacional. E há outros porquês.

Porque daqui a quatro anos teremos uma candidata mais que viável à presidência. Porque Marina representa um ideal jovem e moderno, que eclode a visão careta de um mundo de velhas oligarquias e da luta marxista de classe (nem a China é comunista mais, gente!). Porque Marina sempre foi contra o Governo FHC e seus desmandos, e sabemos que José Serra é um FHC com um vocabulário menos rebuscado. Porque Marina abandono u um ministério por não acreditar que se deva construir uma usina no meio da Amazônia sem a devida avaliação de seu impacto ambiental. Porque Marina foi suficientemente elegante para não usar seu imenso poder contra o autoritarismo grotesco de Dilma. Porque Marina é diferente, e qualquer opção outra que não a neutralidade será interpretada como um fisiologismo barato e politiqueiro, que não condiz com a vida desta mulher que é um exemplo do que o Brasil tem de melhor.

E porque uma aliança, seja com Serra ou com Dilma, vai decepcionar-me profundamente.

Sabem, Marina tem cara de carro elétrico, de energia eólica, de rede social, de SWU, de médico da família, de dar o peixe sim, mas ensinar a pescar logo depois. Marina tem a cara da wikipedia, da long tail, de APL, do consumo responsável, de preferir um colar de coco a uma joia da H Stern. Marina tem a minha cara, e a dos meus filhos, que são crianças hoje, mas que daqui a oito anos já poderão votar. Marina tem a cara dos meus pais, que mesmo tendo passado pela Ditadura conseguiram manter bom humor e alegria de viver. Marina tem a cara do jovem que olha para um adulto mandão e diz “hã?”, porque Marina nunca é mandona, ela ouve você, absorve suas ideias e depois lidera um mundo com elas. Marina tem a cara dos chinelos havaianas, de político que não usa terno, porque um palhaço pode usar terno, mas ninguém copia as atitudes de um político de verdade. E Marina é verde. Da cor do Brasil.

Sei que o estatuto do PV permite que decisões de cúpula sejam tomadas à revelia das bases. Mas entendo que há um processo democrático a ser cumprido junto à sociedade, junto aos eleitores de Marina Silva. Acima do PV há vinte mi lhões de eleitores – pessoas da sociedade civil, artistas, intelectuais. Há o Movimento Marina Silva, surgido antes ainda de sua candidatura à Presidência. E há a figura pública de Marina Silva, a gestalt que faz dela um exemplo nacional, uma esperança, um sopro de renovação nesta política tão vilipendiada pela interferência nefasta do Executivo sobre os outros dois poderes. Meu apelo aqui dirige-se àqueles que como eu votaram em Marina Silva, uma Senadora de registro impecável, ex-Ministra, uma figura que esteve no cerne das discussões mais relevantes do País. Dirijo minhas palavras ainda à mulher Marina, doce Marina, talhada na dureza da selva, na doença, na sabedoria adquirida em uma vida de escolhas nobres e muitas vezes difíceis. Nós temos uma líder para o futuro. Não podemos enterrá-la sob os escombros de uma política falida que defende interesses de curto prazo. O Brasil merece mais. Nós merecemos mais. Marina merece mais.

Rafael de Freitas Peixoto

Artigo de Alfredo Sirkis

Marina no segundo turno


Marina torna-se instrumento para a elevação de um debate que tende a virar briga de torcida organizada, na busca da vitória a qualquer preço

É de praxe na política brasileira que os candidatos derrotados no primeiro turno operem rápida adesão a um dos remanescentes em gabinetes fechados, almoços ou telefonemas em que são barganhados ministérios, fatias de Orçamento, secretarias, diretorias, superintendências e cargos comissionados.

No jargão corrente, são os tais "espaços políticos". Esse não será o caminho dos verdes. Nossa primeira responsabilidade agora é fazer jus aos 20 milhões de votos (quase 20%) obtidos por Marina Silva.

Fique claro: não são votos verdes e nem mesmo Marina pretende que sejam "seus". Conforme ela própria vem colocando insistentemente, são votos dos eleitores.

De qualquer maneira, pairam sobre nós como uma enorme responsabilidade. Exigem que deles sejamos dignos. Não foram tanto votos "de protesto", mas, sim, de diferenciação e de esperança.

Votaram em Marina a classe média iluminista, os jovens e as mulheres pobres, em grande parte cristãs. O voto verde veio incluído nos dois primeiros segmentos. O terceiro representa um poderoso vínculo de identificação pessoal com Marina. Um laço de amor.

O segundo turno, de fato, exige uma definição. Dilma, Serra ou o não envolvimento eleitoral. Isso será deliberado em aproximadamente 15 dias, por convenção nacional do Partido Verde, prevista desde o ano passado, na qual se garantirá à posição minoritária o direito de se expressar individualmente.

Nossa responsabilidade imediata é criar canais de participação para os que atuaram intensamente na campanha, mas que não pertencem aos verdes (grupos de programa, Movimento Marina Silva e apoios religiosos), e, sobretudo, condensar um programa mínimo a ser apresentado e discutido de forma séria, transparente e responsável com Dilma e Serra.

Vamos colocar a sustentabilidade socioambiental no cardápio das discussões com ambos, empedernidos desenvolvimentistas clássicos.

Mas abordaremos também outros aspectos: garantias de conduta republicana e respeito às instituições (traduzidas em providências práticas), educação, segurança, saúde etc. Será abordagem realista.

Sem faca no pescoço, com direito a discussão aprofundada, checagem de números e fatos. Mas que poderá demandar eventuais mudanças de rota e colidir com outros compromissos por eles já assumidos. Marina, no segundo turno, torna-se uma referência para os questionamentos da sociedade e um instrumento para a elevação de um debate que tende a virar briga de torcida organizada, na busca da vitória a qualquer preço.

Queremos ajudá-los a evitar esse destino. Até porque Marina disse que, caso vencesse, tentaria realinhamento histórico que juntasse o melhor desses dois partidos social-democratas, que disputam entre si a "liderança do atraso".

O Brasil não pode deixar de discutir como direcionar seus investimentos públicos e seu sistema tributário para a sustentabilidade.

Precisa discutir também o que seria uma nova economia "verde", de baixo carbono; as ameaças à legislação ambiental; como a esfera federal poderia contribuir melhor para a segurança nos Estados; e como os terríveis gargalos na educação podem ser vencidos.

Deve ser discutido como o saneamento básico e a prevenção de acidentes podem reduzir dramaticamente a pressão sobre nosso sistema público de saúde; como podemos robustecer as boas práticas republicanas e as garantias individuais dos cidadãos; e como, enfim, reformar um sistema político gravemente enfermo.

A ausência de Marina no segundo turno, por força da decisão soberana dos eleitores, transforma-se, assim, em uma presença ética e programática.

ALFREDO SIRKIS, 59, deputado federal eleito pelo Partido Verde (RJ), é vereador pelo mesmo partido no Rio de Janeiro, presidente do PV do Rio e vice-presidente nacional do partido. É autor, entre outras obras, de "Os Carbonários".

Folha de São Paulo, 06/10/2010

Artigo de Maurício Abdalla

Marina,... você se pintou?


Marina, morena Marina, você se pintou diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o grito da Terra e o grito dos pobres, como diz Leonardo.

Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?

Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as famiglias que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.

Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava fazendo água. O povo insistia em confirmar não a sua preferência por Dilma, mas seu apreço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção de voto em sua candidata. Mas os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz. Sacaram da manga um ás escondido. Usar a Marina como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo para a guerra suja.

Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul. Azul tucano. Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve, que sua luta junto aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP, o Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram, e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais.

Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a vitória da Marina. Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.

Marina, você faça tudo, mas faça o favor: não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você tanto faz. Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele.

Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu.

Maurício Abdalla
Professor de filosofia da UFES

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Artigo de Aldo Fornazieri

Uma dura lição para o PT


Como o processo eleitoral ainda não terminou, o resultado do primeiro turno permite afirmar que o PT saiu dele com uma derrota relativa: não alcançou seu principal objetivo, que era o de eleger Dilma Rousseff sem a necessidade de um segundo turno. De quebra, a oposição saiu fortalecida nas disputas estaduais, com quatro governadores eleitos pelo PSDB e dois pelo DEM. O PSDB manteve os seus dois principais baluartes: São Paulo e Minas Gerais; e o DEM não foi extirpado da política brasileira. A conquista do Paraná foi contrabalançada pela perda do Rio Grande do Sul.

O novo fracasso do PT nos dois principais colégios eleitorais do País revela duas coisas: em Minas houve um enorme erro de estratégia com o não lançamento de uma candidatura própria. Em São Paulo o PT precisa mudar de rumos e apostar em novas lideranças. Com a vitória de Tarso Genro no primeiro turno, o eixo de poder no PT passa por fora do Sudeste.

O resultado final em 18 Estados, com 4 governadores do PMDB, 4 do PT, 3 do PSB e um do PMN, mostra um quadro de equilíbrio entre governo e oposição, o que é salutar para a democracia, já que impede um hegemonismo desequilibrador de uma sigla. A oposição fugiu do apocalipse que se anunciava, é verdade. Mas terá de se reconstruir, pois PSDB e DEM são partidos fragmentos, sem base social e sem eixos programáticos claros, capazes de lhes conferir identidade e sentido.

Marina Silva foi a grande vencedora do primeiro turno. Ganha força para negociar uma agenda com um dos candidatos - Dilma ou José Serra. Um purismo olímpico de Marina neste momento representaria um não dar consequência à sua expressiva votação.

Serra vai para o segundo turno não por méritos próprios, mas graças ao desempenho de Marina. O que ele ganhou é uma oportunidade de se reabilitar, de reconstruir sua credibilidade, de apresentar uma agenda para o Brasil, pois a sua campanha no primeiro turno foi sofrível, errática e sem foco. O segundo turno, de qualquer forma, recoloca em cena aquilo que se previa no início do processo eleitoral: uma campanha dura e polarizada entre Dilma e Serra. Naquele momento se esperava até mesmo que Serra pudesse chegar à frente de Dilma no primeiro turno.

Dilma fez uma campanha centrada nas realizações do governo, mas também deficitária em termos de agenda futura. O que mais pesou para o seu recuo na reta final, e a ascensão de Marina, foram a tradicional arrogância petista, ancorada numa sede desmedida de poder, e a insistência em não aprender com os erros do passado. Três erros graves da campanha governista determinaram o segundo turno.

O primeiro erro foi o escândalo envolvendo Erenice Guerra. Alegar desconhecimento do tráfico de influência na Casa Civil é absolutamente insustentável, pois o governo dispõe da Abin, da Política Federal e de outros órgãos de controle interno para saber o que se passa no alto escalão governamental e no seu entorno. O que o episódio Erenice demonstra é que o PT e o governo abandonaram os cuidados necessários com o tema da moralidade pública, acreditando que o poder é uma espécie de salvo-conduto para práticas antirrepublicanas. Na verdade, desde que chegou ao poder, o PT foi enfraquecendo sua vértebra republicana, caminhando para a vala comum dos outros partidos nesse quesito. Não é raro ouvir de militantes petistas a tese de que sem essas práticas não se governa. O que a evidência tem demonstrado é que a assimilação dessas teses e dessas práticas representa muito mais risco do que benefício político, além de uma descaracterização em termos de valores republicanos.

O segundo erro, na reta final da campanha, consistiu em morder a isca, pisar na casca de banana jogada pelos adversários. Os petistas - presidente Lula à frente - passaram a atacar a imprensa, abrindo o flanco para que proliferassem acusações de antidemocratismo e para que se publicassem manifestos em defesa da liberdade de expressão, reanimando o medo que é tônica nas campanhas desde 1989, quando Lula chegou perto da vitória. O próprio presidente parece ter-se esquecido de que o que ganha votos são mensagens positivas, simplicidade e um estilo "Lulinha paz e amor".

O terceiro erro foi em torno do polêmico tema do aborto. Inicialmente, documentos do PT o declararam a favor do aborto. Dilma manteve uma posição ambígua sobre o assunto até que, na véspera das eleições, no contexto de perda de votos por causa das dúvidas sobre sua posição, ela se manifestou contra o aborto. Mas já era tarde. Aqui também há uma falta de aprendizado com a História. Temas morais, altamente sensíveis para a maioria das pessoas comuns, merecem todo o cuidado no trato dispensado por candidatos majoritários. Um presidente da República deve ser o símbolo da unidade da Nação. Os temas morais polêmicos devem ficar no âmbito do Legislativo.

Dilma e Serra precisam extrair uma bela lição da campanha de Marina. Não são apenas cimento, ferro, estradas e obras que rendem votos. O "eu fiz" ou "fiz mais" também não resolve tudo. Uma campanha para a Presidência precisa irradiar valores vinculantes, uma perspectiva de civilização. Os dois candidatos mais votados pouco falaram de valores.

Uma eleição presidencial é também uma promessa de futuro, uma visão de destino que a sociedade quer e precisa se dar. O futuro não se define apenas no factível em termos de obras, mas também na regulação social pelo metro dos valores. A política é um dos fatores sociais nos quais os indivíduos querem encontrar uma razão de vida. A política é a atividade que consegue configurar de forma mais abrangente um sentido de pertencimento a uma comunidade de destino. Uma disputa presidencial apartada de valores e de sentido civilizador perde a sua razão principal de ser.

ALDO FORNAZIERI
DIRETOR ACADÊMICO DA FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO (FESPSP)

O Estado de São Paulo, 05/10/2010

Artigo de Augusto de Franco

A derrota política do lulo-petismo


Marina contribuiu para separar o joio do trigo em uma base eleitoral que o governo acreditava cativa e abriu fenda no esquema neopopulista

Contra fatos não há argumentos.

E "o dado concreto" é que os brasileiros, em sua maioria, não apoiaram o terceiro mandato de Lula (por interposta pessoa).

Os quase 47% dos votos de Dilma configuram uma derrota política, se considerarmos o fortíssimo empenho da máquina estatal a favor de sua candidatura e o engajamento exorbitante do presidente da República -como "nunca antes se viu neste país"- em prol da sua vitória no primeiro turno.

Com efeito, Lula abandonou a sua posição de magistrado para se engajar na guerra eleitoral da forma mais rasteira, transformando vítimas em culpados, levantando solertes suspeições, falsificando a opinião pública, investindo contra a liberdade de imprensa.

Ele cometeu esse erro porque estufou com seus 80% de popularidade. Perigo! Em política, a hiperinflação do ego costuma vir acompanhada de pretensões despóticas. E o sujeito possuído pelo mito que criou sobre si mesmo acredita-se o único eleitor e acaba confundindo popularidade com legitimidade.

Em certa época, 99% dos albaneses achavam o governo do ditador Hoxha ótimo ou bom. Saddam, nos seus tempos de glória, alcançou 96% de aprovação dos iraquianos.

Fujimori, quando deu um golpe em 1992, dissolvendo o Congresso e intervindo no Judiciário, chegou a 80% de popularidade no Peru.

Na lista das duas dezenas de ditadores remanescentes, de Lukashenko (em Belarus) a José Eduardo (em Angola), de Kim Jong Il (na Coreia) a Gaddafi (na Líbia), dos irmãos Castro (em Cuba) a Mugabe (no Zimbábue) passando por al-Bashir (no Sudão), temos um verdadeiro festival de campeões de popularidade.

Todos esses autocratas, a despeito dos votos que teriam ou tiveram, eram e são ilegítimos. Lula deveria refletir sobre isso.

Mas, independentemente do resultado do segundo turno, uma derrota política mais profunda do lulo-petismo já começou.

Porque a degeneração da política que atingiu o coração do governo-partido aborreceu seu público mais íntegro e criativo. Quem tinha um pouco de honestidade e espírito inovador não via a hora de pular fora daquele antro.

Quando apareceu uma candidatura alternativa, como a de Marina, a porta se escancarou. Militantes, simpatizantes e eleitores que ainda votavam no petismo para não parecer retrógrados acorreram para a saída, aos milhões.

Marina contribuiu para separar o joio do trigo numa base eleitoral que o governo acreditava cativa.

Abriu uma fenda no esquema neopopulista, que só tende a se alargar. Lula e o PT ficaram com o joio.

Restaram-lhes, além das vítimas do clientelismo assistencialista e os mesmerizados pela sua retórica, os militantes mais deformados e os negocistas da política.

Tudo isso dependeu, em parte, do discurso inovador de Marina, mas, muito mais, da situação que objetivamente se configurou.

Mesmo que ela, Marina -tentada a se construir como liderança mítica substituta de Lula ou como chefe de uma espécie de "PT do bem"-, não recomende o voto em Serra no segundo turno (o que seria um erro), o estrago no lulo-petismo está feito.

AUGUSTO DE FRANCO, 60, escritor, é autor, entre outras obras, de "Alfabetização Democrática". Foi conselheiro e membro do Comitê Executivo da Comunidade Solidária durante o governo FHC (1995-2002). Foi membro da direção nacional do Partido dos Trabalhadores de 1982 a 1993.

Folha de São Paulo, 05/10/2010

sábado, 11 de setembro de 2010

Pesquisa Datafolha

Estável, Dilma tem 56% dos votos válidos


Vantagem da petista sobre José Serra é de 23 pontos; quadro está praticamente inalterado desde 23 de agosto

Candidata do PT tem 50% dos votos totais contra 27% do tucano e 11% de Marina; quadro é de vitória no 1º turno

FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA

Pesquisa Datafolha realizada nos dias 8 e 9 mostra estabilidade na disputa pela Presidência: Dilma Rousseff (PT) tem 50% e José Serra está com 27%. A diferença entre eles é de 23 pontos.

Em levantamento nos dias 2 e 3, Dilma também tinha 50%. Serra tinha 28% e oscilou negativamente um ponto. A margem de erro máxima da pesquisa é de dois pontos, para mais ou para menos.

O quadro permanece estável desde o fim de agosto.

Marina Silva (PV) está com 11%. Votos brancos, nulos ou em nenhum somam 4%. Os que não sabem são 6%.

A revelação de que a filha do candidato do PSDB, Veronica Serra, teve o sigilo fiscal quebrado não alterou o quadro geral da disputa.

Encomendada pela Folha e pela Rede Globo, a pesquisa Datafolha ouviu 11.660 eleitores com 16 anos ou mais em 414 municípios, em todas as unidades da federação.

De acordo com o Datafolha, se a eleição fosse hoje, Dilma venceria no primeiro turno com 56% dos votos válidos (os que são dados aos candidatos). Serra teria 30%. Marina fica com 13%.

Apesar da estabilidade nos seus números gerais, o levantamento traz alguns indícios de alterações nas curvas de Serra e de Marina.

Piorou a situação de Serra em Minas, segundo colégio eleitoral do país. Em 23 e 24 de agosto, ele tinha 29% e Dilma, 48%. Agora, ela foi a 51% e ele a 24%. A diferença subiu de 19 para 27 pontos.

Caiu também outro bastião serrista: Curitiba, a única capital de Estado pesquisada pelo Datafolha na qual o tucano tinha vantagem sobre a petista.

Na pesquisa anterior, Serra tinha 40% contra 31% de Dilma. Agora, ela está com 36% e ele desceu para 35%.

Essas quedas regionais do tucano refletem a curva geral. Ele saiu de 30% em 20 de agosto para os atuais 27%.

Já a verde Marina Silva também está estável de maneira geral, mas ganhou pontos entre os mais escolarizados (saiu de 19% e foi a 23%) e entre os que têm renda acima de dez salários mínimos mensais (de 14% para 20%).

Em alguns segmentos, Marina se aproxima de Serra. Entre os que têm renda média de cinco a dez salários por mês, a verde está com 21% contra 27% do tucano.

Marina mantém 10% entre os eleitores que avaliam o governo Lula "bom" ou "ótimo". Serra teve 34% dos votos lulistas. Hoje tem 20%.

Folha de São Paulo, 11/09/2010

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Explicando o óbvio

"É a economia, estúpido!"

(James Carville, marqueteiro da campanha de Clinton em 1992)


Tudo indica que Dilma Rousseff vencerá a campanha presidencial no primeiro turno. Não é difícil entender as razões. Quase tudo se explica pelo sucesso do Governo Lula, particularmente na economia.

Lula conseguiu construir o melhor dos mundos. Preservou os interesses dos banqueiros, pagando a maior taxa de juros do mercado financeiro internacional na remuneração dos títulos da dívida pública. Cooptou as grandes empreiteiras, através de relevantes investimentos em obras de infra-estrutura que podem ser simbolizados pelo PAC - Plano de Aceleração do Crescimento. Atendeu os interesses das grandes empresas, por intermédio de generosos e subsidiados empréstimos do BNDES, sob o pretexto de financiar empresas brasileiras para se tornarem líderes mundiais em seus respectivos mercados.

Mas a jogada de mestre foi a "criação de um mercado interno de consumo de massas", sempre preconizado pelo PT, elevando a capacidade de consumo das assim chamadas "classes C, D e E" através de políticas sociais de transferência direta de renda tais como o Bolsa Família, ou da correção do valor do salário mínimo acima dos índices inflacionários, ou da expansão da base da Previdência Social, ou ainda da muito relevante ampliação do crédito subsidiado para a agricultura familiar através do PRONAF.

Assim, simultaneamente, melhorou o poder de compra de milhões de brasileiros, que ingressaram no mercado consumidor, e possibilitou maiores ganhos ao setor empresarial, que expandiu seus negócios para atender essa nova demanda.

Além disso, manteve sob controle os "movimentos sociais" tradicionais (as centrais sindicais, a UNE, o MST, dentre outros), que passaram a receber um volume extraordinário de recursos públicos, sob a condição de total e completa domesticação.

Isso explica porque não existe oposição relevante contra o Governo Lula, apesar dos problemas na saúde, na educação, na segurança pública, no saneamento, no transporte urbano, no déficit habitacional, na corrupção política, etc.

A questão é: até quando poderá ser mantida esta situação? Indicadores mostram que há um grande crescimento no "endividamento das famílias", enquanto o "consumo das famílias", a grande mola-propulsora do crescimento econômico recente até mesmo num cenário de crise financeira internacional, começou a declinar. Aumenta também o déficit público, a despeito da elevada carga tributária e dos recordes de arrecadação. Aproxima-se a hora do acerto de contas!

Mas Lula vai deixar o problema para Dilma. Quando vier o arrocho, muita gente vai pensar: "Bom mesmo era no tempo do Lula. Tinha emprego, salário, inflação baixa, a gente podia comprar televisão, geladeira, celular, moto, etc." Será a chave para o movimento "Volta Lula". Logo mais, em 2014.

Mas seria injusto atribuir todo o mérito apenas à política econômica de Palocci, Mantega e Henrique Meirelles.

Lula também tem seu mérito particular. Além de ser uma liderança carismática com incrível capacidade de comunicação popular, é um arguto negociador político e estrategista eleitoral.

Lula construiu uma estratégia e a executou rigorosamente:
(a) cuidou para que seu governo tivesse a melhor avaliação possível;
(b) manteve os aliados tradicionais e trouxe o PMDB, garantindo o maior tempo de TV;
(c) controlou completamente o PT, a ponto de impor a candidata que desejou;
(d) inviabilizou a candidatura do Ciro;
(e) interviu nos palanques estaduais para garantir chapas competitivas em todos os estados;
(f) beneficiou e depois pressionou os empresários para obter doações de campanha, arrecadando o dobro da soma dos demais candidatos;
(g) operou, no momento oportuno, para inflar a candidatura do Serra e esvaziar a do Aécio, "escolhendo" o adversário mais fácil de derrotar;
(h) isolou a oposição, a ponto de ninguém querer ser identificado como "de oposição".

São esses dois fatores que explicam, sinteticamente, a situação atual de favoritismo de Dilma. Dilma é o produto desta estratégia. Poderia ser qualquer outra pessoa escolhida por Lula. Nenhum líder político constrói sucessores que possam ameaçar sua própria liderança. Lula escolheu Dilma porque não vê nela uma ameaça. Ponto.

Dilma vencerá porque os eleitores estão satisfeitos com o Governo Lula e desejam sua continuidade. Lula conseguiu comunicar aos eleitores que Dilma é a continuidade do Governo Lula. A oposição foi anulada por sua própria incapacidade de explicar o presente e oferecer uma proposta sedutora de futuro. Ninguém troca o certo pelo duvidoso. Dilma é mais do mesmo. Então tá bom. Deixa assim.

Só não me venham com nenhuma conversa mole de querer atribuir algum caráter inovador, progressista ou de esquerda para a candidatura Dilma. É a candidata dos banqueiros, das empreiteiras, do grande empresariado, dos "movimentos sociais" cooptados e silenciados, dos partidos acomodados aos seus cargos no Governo, da campanha milionária, da militância remunerada, do PT rendido à lógica da manutenção do poder a qualquer custo. Ignorar isso é apenas uma forma cínica ou ingênua de auto-engano.

Juarez de Paula

Limites do crescimento

10% verde


Candidatura de Marina Silva esbarra nos limites da agenda ambiental, incapaz de romper a onda desenvolvimentista cavalgada por Lula e Dilma

Aos poucos se torna evidente que a candidatura da ex-ministra do Meio Ambiente e senadora Marina Silva (PV) à Presidência da República esbarrou num teto de cerca de 10% nas pesquisas de intenção de voto. O desempenho limitado, até agora, decorre da precariedade de sua campanha, sobretudo do diminuto tempo de TV, em comparação com os adversários do PT e do PSDB.

No entorno da candidata verde, e mesmo fora do círculo de sua campanha, havia certa expectativa de que mensagens mais programáticas e substanciais poderiam romper a moldura plebiscitária da eleição. O cerco marqueteiro ao debate de propostas logrou substituí-las por imagens irreais e promessas sem lastro.

Com o apoio de novas mídias, esperavam os verdes galvanizar parcelas crescentes do eleitorado, a começar pelos jovens. Estes estariam mais abertos a considerar as questões centrais do país sob a ótica da sustentabilidade, com ênfase em problemas ambientais.

Em lugar de crescimento pelo crescimento, Marina se pauta por uma noção de desenvolvimento mais larga. Para além da economia, incorpora a ela temas como qualidade de vida, realizações humanas e preservação de recursos naturais para gerações futuras.

A julgar pela reação do eleitorado até aqui, a mensagem verde não ecoou. Nem mesmo entre os que têm de 16 a 24 anos a candidata do PV alcança vantagem significativa. Segundo o Datafolha, 20% das intenções de voto que lhe são dedicadas provêm dessa faixa etária, fatia praticamente igual à representada pelo grupo no total da amostra (19%).

Além de não sensibilizar a juventude, Marina Silva tampouco consegue falar para o Brasil demograficamente mais relevante. As intenções de voto que atrai se concentram nas camadas de maior escolaridade e renda nas capitais. No Nordeste, por exemplo, sua penetração é diminuta.

Junto à população mais pobre do país, não há páreo para o efeito avassalador da progressão do salário mínimo e da distribuição de benefícios sociais como Bolsa Família. Para esses brasileiros, é indubitável que a vida melhorou nos oito anos de governo Lula. Os dividendos políticos do avanço social são colhidos por Dilma Rousseff nas urnas.

José Serra não tem conseguido conter a maré lulista, mesmo comprometendo-se a manter seu curso. Não se concebe, assim, que Marina Silva, só com um partido débil e propostas de rever a própria noção de crescimento econômico (o que para muitos se traduz como um esforço para contê-lo), possa ter mais sucesso.

Marina abriu mão de uma reeleição mais ou menos tranquila para o Senado em favor de uma candidatura presidencial com chances mínimas. Atribuiu-se a missão de aprofundar o debate, muito necessário, sobre qual feição assumiria o desenvolvimento do país em direção a uma economia de baixo carbono.

Serão necessárias uma ou mais eleições para que Marina Silva consiga se fazer ouvir. Nada demais para quem passou 16 anos no Senado e no governo falando quase sempre para as paredes.

Editorial da Folha de São Paulo, 06/09/2010

domingo, 5 de setembro de 2010

Pesquisa Datafolha

Dilma tem 50% e Serra 28%, diz Datafolha


Apesar da estabilidade na pesquisa, número de eleitores que acham que petista vai ganhar sobe de 63% para 69%

Quadro fica estável pela 1ª vez desde início do horário na TV; Marina tem 10%; em eventual 2º turno, Dilma venceria

FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA

Pesquisa Datafolha realizada ontem e anteontem em todo o país mostra estabilidade no quadro eleitoral: Dilma Rousseff (PT) oscilou de 49% para 50% em uma semana, e José Serra, que estava com 29%, tem 28%. Marina Silva (PV) está com 10%, contra 9% da semana anterior.

É a primeira vez desde o início do horário eleitoral que não há grandes mudanças no quadro da disputa presidencial. As pequenas oscilações foram todas dentro da margem de erro (de dois pontos percentuais).

Os que pretendem votar em branco, nulo ou nenhum são 4%. E 7% estão indecisos. Candidatos de partidos pequenos não chegam a 1%.

Em capitais e regiões metropolitanas ocorre o melhor desempenho de Marina Silva. Ela chega a 14%, contra 27% de Serra e 47% de Dilma.

Se a eleição fosse hoje, pelo Datafolha, a candidata do PT venceria no primeiro turno. Teria mais de 50% dos votos válidos -os dados apenas aos candidatos, descontados os brancos e os nulos.

Nessa conta de votos válidos, Dilma tem 56%. Serra tem 32%. Marina vai a 11%. Os percentuais são semelhantes aos da semana passada: 55%, 33% e 10%.

Num eventual segundo turno, a petista também venceria o tucano por 56% a 36% dos votos. Haveria 5% votando em branco, nulo ou nenhum e 4% ainda indecisos.

Na pesquisa espontânea, quando os entrevistados falam em quem desejam votar sem ver uma lista de nomes, Dilma marcou 38% contra 35% na semana passada, indicando que sua tendência de alta continua.

Serra oscilou apenas dentro da margem de erro na sondagem espontânea, indo de 18% para 19%. Marina saiu de 5% e foi a 6%.

Há outros dois indicadores relevantes que foram positivos para Dilma: a taxa de rejeição dos candidatos e a percepção de vitória por parte do eleitorado. A petista é rejeitada por 21% dos eleitores. Tinha 19% na semana passada.

Já Serra, era rejeitado por 24% em julho. Foi a 28% no começo de agosto. Agora, 31% dizem que não votariam no tucano de jeito nenhum.

Marina Silva é rejeitada por 17% -tinha 16% na semana passada.

Quando o Datafolha pergunta quem o eleitor acredita que vai vencer a eleição presidencial de 3 de outubro, Dilma continua sendo a escolhida pela maioria. Hoje, 69% dizem que a petista vai ganhar. Na semana passada, o percentual era de 63%.

Só 15% acham que Serra será o vencedor -pouco mais da metade dos que declaram voto no tucano. No caso de Marina Silva, 1% acredita na sua vitória.

Segundo o Datafolha, 51% declararam ter assistido os programas do horário eleitoral -contra 39% na semana anterior. Isso significa que muitos eleitores tomaram conhecimento dos fatos dos últimos dias, inclusive do vazamento de dados fiscais sigilosos da Receita Federal.

Folha de São Paulo, 04/09/2010

Pesquisa IBOPE

Tucano está a 24 pontos de petista, diz Ibope


DE SÃO PAULO

A pesquisa Ibope divulgada ontem aponta que a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, tem 51% das intenções de votos contra 27% de José Serra (PSDB), o mesmo da pesquisa anterior feita entre 24 e 26 de agosto.

Marina Silva (PV) oscilou de 7% para 8%. Brancos e nulos somam 6%, e indecisos são 7%. A margem de erro é de dois pontos para mais ou menos.

A pesquisa, que foi feita de 31 de agosto a 2 de setembro entre 3.010 eleitores, foi encomendada pela TV Globo e pelo jornal "O Estado de S. Paulo".

Folha de São Paulo, 04/09/2010

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Sobre o significado de ser oposição

A mexicanização em marcha


O processo sucessório presidencial em curso comporta dois cenários marcadamente assimétricos, conforme o vencedor seja José Serra ou Dilma Rousseff. Se for José Serra, não é difícil prever a cerrada oposição que ele sofrerá por parte do PT e dos "movimentos sociais", entidades estudantis e sindicatos controlados por ele - e, provavelmente, do próprio Lula. Se for Dilma Rousseff - como as pesquisas estão indicando -, o cenário provável é a ausência, e não o excesso, de oposição.

Para bem entender esta hipótese convém levar em conta dois fatos adicionais.

Primeiro, o cenário Dilma não se esgota na figura da ex-ministra. Ele inclui, entre os elementos mais relevantes, o controle de ambas as Casas do Congresso Nacional pela dupla PT e PMDB. Inclui também uma entidade institucional inédita, personificada por Lula. Semelhante, neste aspecto, a um aiatolá, atuando de fora para dentro do governo, Lula tentará, como é óbvio, influenciar o conjunto do sistema político no sentido que lhe parecer conveniente ao governo de sua pupila ou a seus próprios interesses. Emitirá juízos positivos ou negativos, em graus variáveis de sutileza, sobre medidas tomadas pelo governo e regulará não só o comportamento da base governista no Congresso, mas também os movimentos de sístole e diástole da "sociedade civil organizada" - entendendo-se por tal os sindicatos, segmentos corporativos e demais organizações sensíveis à sua orientação.

O segundo fato a considerar é a extensão da derrota que Lula terá conseguido impor à oposição. Claro, a eventual derrota será também consequência das ambiguidades, das divisões e dos equívocos da própria oposição, mas o fator determinante será, evidentemente, a ação de Lula e do esquema de forças sob seu comando. Deixo de lado, por óbvio, as condições econômicas extremamente favoráveis, o Bolsa-Família, a popularidade do presidente, etc.

José Serra ficará sem mandato até 2012, pelo menos. No Senado - a menos que sobrevenha alguma reorganização das forças políticas -, Aécio Neves fará parte de uma pequena minoria parlamentar, situação em que ele dificilmente exercerá com desenvoltura as suas habilidades políticas.

Nos Estados, os governadores eventualmente eleitos pelo PSDB, sujeitos ao torniquete financeiro do governo federal, estarão igualmente vulneráveis ao rolo compressor governista. Longe de mim subestimar lideranças novas, como a de Beto Richa, no Paraná, e a de Geraldo Alckmin, em São Paulo. Mas não é por acaso que Lula já se apresta a batalha por São Paulo, indicando claramente a sua disposição de empregar todo o arsenal necessário a fim de reverter o favoritismo tucano neste Estado.

Resumo da ópera: no cenário Dilma, o conjunto de engrenagens que Lula montou ao longo dos últimos sete anos e meio entrará em pleno funcionamento, liquidando por certo período as chances de uma oposição eficaz. A prevalecer tal cenário, parece-me fora de dúvida que a democracia brasileira adentrará uma quadra histórica não isenta de riscos.

É oportuno lembrar que o esquema de poder ora dominante abriga setores não inteiramente devotados à democracia representativa, adeptos seja do populismo que grassa em países vizinhos, seja de uma nebulosa "democracia direta", que de direta não teria nada, pois seus atores seriam, evidentemente, movimentos radicais e organizações corporativas. Claro indício da presença de tais setores é a famigerada tese do "controle social da mídia", eufemismo para intervenção em empresas jornalísticas e imposição de censura prévia.

Na Primeira República (1889-1930), a "situação" - ou seja, os governantes e seus aliados nos planos federal e estadual - esmagava a oposição. Foram poucas e parciais as exceções a essa regra. Mas a estratégia levada a cabo por Lula está indo muito além. É abrangente, notavelmente sagaz e tem um objetivo bem definido: alvejar em cheio a oposição tucana. Para bem compreendê-la seria mister voltar ao primeiro mandato, ao discurso da "herança maldita", sem precedente em nossa História republicana no que se refere ao envenenamento da imagem do antecessor; à anistia, retoricamente construída, a diversos corruptos e até a indivíduos que se aprestavam a cometer um crime - os "aloprados"; e aos primórdios da estratégia especificamente eleitoral, ao chamado confronto plebiscitário, em nome do qual ele liquidou no nascedouro toda veleidade de autonomia por parte de quantos se dispusessem a concorrer paralelamente a Dilma Rousseff. A Ciro Gomes Lula não concedeu sequer a graça de uma "sublegenda", para evocar um termo do período militar.

Para o bem ou para o mal, a única oposição político-eleitoral potencialmente capaz de fazer frente ao rolo compressor lulista é a aliança PSDB-DEM-PPS. No horizonte de tempo em que estou pensando - digamos, os próximos quatro anos -, não há alternativa. Portanto, a operação a que estamos assistindo, com seu claro intento de esterilizar ou virtualmente aniquilar essa aliança, coloca-nos nas cercanias de um regime autoritário.

Sem a esterilização ou o aniquilamento político-eleitoral da mencionada coalizão, não há como cogitar de um projeto de poder hegemônico, de longo prazo e sem real alternância de poder. A esterilização pode resultar de uma estratégia deliberada por parte do comando político existente em dado momento, de uma conjunção de erros, derrotas e até fraquezas das próprias forças oposicionistas - ou de ambas as coisas.

Sociologicamente falando, não há funcionamento efetivo da democracia, quaisquer que sejam os arranjos constitucionais vigentes, num país onde não exista uma oposição eleitoralmente viável. Haverá, na melhor das hipóteses, um autoritarismo disfarçado, um "chavismo branco" ou, se preferem, um regime mexican style - aquele dominado durante seis décadas pelo PRI, o velho Partido Revolucionário Institucional mexicano.

Bolivar Lamounier
Cientista Político

O PSDB merece

Centenas de anos atrás, ganhei de presente um exemplar adulto da raça basset hound que havia sido batizado de Montgomery.

A despeito de nome de general, Monty tinha porte atlético de papa. Pesava 49 kg, dois a mais do que minha irmã, e costumava usar o fato a seu favor nas vezes em que ela o levava para desfilar no Ibirapuera.

Era fatal. Bastava entrar no parque que o cão empacava. Na hora em que lhe dava na telha, ele cravava a barriga no asfalto e não havia jeito de fazê-lo dar mais um passo em qualquer direção.

De uns dias para cá, o candidato José Serra tem me lembrado o Montgomery. A falta de mobilidade é parelha e seu poder de reação dariam hoje ao defunto cão ares de greyhound de corrida.

Desde que Dilma começou a se consolidar nas pesquisas, tenho visto muita gente falar em "mexicanização" do país e comparando o PT ao PRI na sua vocação de "partido único". Ué? Por que isso agora? Projeto semelhante ao do PT não estava em curso abertamente com Sérgio Motta no governo FHC?

Deixe-me fazer uma pergunta, modesta datilógrafa que sou: o eleitor não vê defeitos no governo Lula porque ele é imaculado ou porque o PSDB não cumpriu com o dever que tinha de apontá-los?

Nesta eleição, o único momento em que Serra marcou território foi quando deu uma de Jair Bolsonaro para alertar contra os perigos do narcotráfico boliviano. Isto lá é comportamento que se preze de um homem público que se preparou a vida inteira para ser presidente?

O fracasso da oposição é culpa -surpresa!- da própria oposição, que não se renovou, viveu os últimos anos em guerra e não soube falar grosso contra as lorotas federais que encheram nossos ouvidos nos últimos dois mandatos.

Alô, PSDB! Contestar números, derrubar mitos, fazer o dever de casa, não era essa a única maneira de proceder? O que foi que aconteceu? O que vocês ficaram fazendo? Festa no Rio com o Luciano Huck e o Ronaldo Fenômeno? Briga de cachorro grande lá no Nordeste? Lustração de ego de banana de pijama? Onde vocês andaram nestes anos?

Alguém por acaso ouviu o Serra contestar os números dessa ilusão chamada PAC -que não atinge nem mesmo 3% do orçamento?

O PSDB vem agora lembrar que alternância de poder é importante. Não diga! Mas cadê o FHC, o Tasso e o Aécio? E o que foi mesmo que eles trouxeram de bom para a campanha do Serra? Que eu saiba, o único que fez sua parte até aqui, acanhado ou não, é o Geraldo. E nem mesmo ele agora está preservado da enxurrada que parece vir por aí.

Pois quer saber? Bem feito! Agora ficam os bacanas todos desesperados mandando corrente pelo Facebook e pelo e-mail falando em "virada" na eleição. Ora, só se for virada em direção à porta!

Esse pessoal também, vou te contar! Passa a vida preocupado com o fim de semana em Ilhabela e, de repente, acha que dá para correr atrás do prejuízo como se consciência política fosse item prêt-à-porter que se compra no shopping Iguatemi. Mal sabe que a eleição já era e seu partido também.

Barbara Gancia

barbara@uol.com.br

Campanha despolitizada

Brincando de casinha

“Querem infantilizar os brasileiros com essa história de pai e mãe”. Essa foi a frase politicamente mais significativa e importante que a candidata Marina Silva pronunciou em toda a campanha eleitoral. Mais importante que todas as suas quilométricas panacéias sobre sustentabilidade.

Na véspera,o presidente Lula,num discurso em Pernambuco,decretou que “a palavra não é governar; a palavra é cuidar. Eu quero ganhar as eleições para cuidar de meu povo como uma mãe cuida de seu filho”.

A declaração de Marina,feita durante o debate UOL-Folha, colocou as coisas em seus devidos lugares: estamos numa das campanhas políticas mais despolitizadas da história recente do País e devemos isso aos candidatos principais,seus partidos e aos construtores de suas estratégias eleitorais que ouvem o galo cantar há dezenas de anos e não sabem onde.

Na semana passada,quando escrevi neste espaço sobre a predominância do emocional sobre o racional nas campanhas políticas, baseado nas experiências neurológicas de cientistas norte-americanos descritas no livro “O Cérebro Político”, não estava me referindo aos tangos chorosos de Libertad Lamarque, mas a narrativas políticas construídas sobre bases emocionais, na reafirmação de crenças e valores básicos que diferenciam candidatos e partidos políticos.

Um vídeo postado esta semana no blog de Augusto Nunes mostrando um debate entre Mário Covas e Paulo Maluf na campanha eleitoral de 1998 para o governo de São Paulo é um exemplo do que se entende por uso legítimo e correto do fator emocional no discurso político.

Cansado de ser submetido à tediosa enumeração de realizações supostas ou não, medidas em números verdadeiros ou forjados, de total irrelevância e absolutamente intraduzíveis para o eleitor comum, Covas deixou de lado por alguns momentos aquilo que se convencionou chamar de “programa de governo” (que de resto cada candidato pode copiar do outro ou pode inventar ou maquiar à vontade) e partiu para um duelo de fundamentos que se resumia a isto: mostrar a diferença que havia entre ele e Maluf em história de vida,crenças,princípios.

Em suma, ele mostrou que era Covas e que o outro era Maluf. No segundo turno, a diferença entre ambos, que era de 1,5 milhão de votos a favor de Maluf, passou para quase 2 milhões a favor de Covas. E ele não venceu porque prometeu mais 14 unidades de saúde ou 73 km de estradas ou redução de 0,3% no ICMS dos liquidificadores, mas porque mostrou a diferença substancial que existia entre ele e seu adversário.

Os marqueteiros políticos têm horror ao confronto e às verdades. Os “soi disant” analistas políticos, a maioria deles de rabo preso com algum dos interesses em jogo, se horrorizam com “a agressividade” de alguém que se dispõe a questionar o adversário, como se os candidatos estivessem em cena apenas para interpretar um “pas de deux” de cordialidade forjada e hipócrita substituindo o verdadeiro confronto das idéias que constituem a substância política de cada um.

A campanha política se transformou num jogo de faz de conta, como se o verdadeiro debate de idéias e de princípios, que é o que marca a diferença entre uns e outros, tivesse que ser, obrigatoriamente, um festival de incivilidades.

A despolitização da política e a infantilização do País, com a dedicada ajuda do presidente que quer tratar uma nação como a mãe trata os filhos, dos marqueteiros,dos analistas políticos que abominam a exposição e o debate das diferenças, estão tratando de tornar a eleição onde se decide o futuro do País numa fantasia onde 135 milhões de eleitores são convocados a brincar de casinha.


Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.
svaia@uol.com.br