quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Artigo de Antonio Augusto de Queiroz

Quem são e para onde irão os eleitores de Marina Silva?

A resposta a esta pergunta será dada pelas pesquisas qualitativas que estão sendo feitas pelos institutos de pesquisa e pelas urnas no dia 31 de outubro, mas já é possível antecipar algumas constatações desse processo eleitoral, que está em fase de decantação. Minha hipótese é de que o peso político de Marina Silva é menor do que os votos que recebeu e que seu partido, o PV, é menor e menos verde que ela.

A senadora Marina Silva foi apresentada pela intelectualidade e pela mídia como a candidata ideal: mulher, religiosa, de origem humilde, comprometida socialmente, defensora do meio ambiente, honesta e sem o suposto radicalismo do PT nem o conservadorismo do PSDB. Seria a terceira via, embora não dispusesse de grande estrutura partidária, tempo de televisão e recursos para uma campanha presidencial.

Com esse perfil, Marina recebeu votos de um eleitorado difuso, que pode se classificado em quatro grupos: a) o da fadiga, b) o flutuante, c) o da revanche ou do troco, e d) o convicto.

O primeiro grupo, da fadiga, é composto por eleitores que não estão satisfeitos com o PT nem têm saudades do PSDB. Esse grupo descarregou seus votos na Marina menos por convicção e mais por considerá-la uma candidata simpática, honesta, boazinha, que poderia, eventualmente, se converter numa terceira via. Foi falta de opção.

O segundo grupo, o flutuante, foi determinante para levar a eleição para o 2º turno. É composto de eleitores pendulares, que não queriam José Serra, estiveram indecisos um período, declararam votos para Dilma, mas próximo da eleição desistiram e votaram em Marina.

Esse grupo é muito heterogêneo. É formado por eleitores que não gostaram dos escândalos no Governo (quebra de sigilo e episódio da Casa Civil) e também se deixaram influenciar pelos boatos de que a candidata Dilma era a favor do aborto, da união civil de pessoas do mesmo sexo e que teria declarado que “nem Cristo" tiraria sua eleição em primeiro turno.

Especula-se que neste grupo, formado majoritariamente por potencias eleitores de Dilma, inclui-se até gente de partidos da base aliada, que, certo da vitoria da candidata governista, teria (por ação ou omissão) consentido levar a eleição para o 2º turno como forma de reduzir o poder do PT e forçar uma negociação política em novas bases, inclusive com o fortalecimento dessas forças na coordenação de campanha.

O terceiro grupo, o da revanche ou do troco, é formado por pessoas que antes votavam no PT, mas que se sentiram traídas ou chateadas com determinadas políticas públicas ou com a postura das autoridades.

Esse grupo inclui, por exemplo, os aposentados do serviço público que tiveram que pagar contribuição previdenciária, os pensionistas que tiveram redução na pensão, os servidores que não tiveram reajuste, além de pessoas que resolveram punir o PT por suposta arrogância no Governo.

O quarto grupo, o da convicção, é formado pelos eleitores que tem certeza do voto, ou seja, acham que Marina é mais preparada para governar e possui o melhor programa. É um grupo heterogêneo, formado majoritariamente por intelectuais, jovens, por pessoas de classe média alta e também por gente humilde. Seu universo, entretanto, não passa de 5% do eleitorado brasileiro ou um terço dos votos da Marina.

Entre os postulantes à presidência da República, Marina foi poupada pelos dois principias candidatos, José Serra e Dilma Rousseff, ambos interessados em seus votos, na hipótese, que afinal se confirmou, de 2º turno.

Ninguém poderá afirmar, com certeza, para quem irão esses votos, se para Dilma ou Serra, ou, se ainda, serão anulados. O mais provável é que estes votos sejam distribuídos igualmente entre Dilma, Serra e abstenção ou nulos. Neste caso, se Dilma mantiver os votos do primeiro turno e acrescentar mais um terço dos votos dados a Marina terá sua eleição assegurada. É essa a minha aposta.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político, diretor de Documentação do Diap e autor dos livros “Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis” e “Por dentro do Governo – como funciona a máquina pública”.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Artigo de Rafael Peixoto

Porque Marina deve ser neutra

O primeiro turno passou, e saímos dele com vinte milhões de votos. São vinte milhões de brasileiros que fizeram de Marina Silva a sua porta-voz. E notem a mudança estrutural vivida: o voto em Marina não foi um voto de protesto, como quem vota no Tiririca ou na Mulher Pêra. Antes, foi uma opção clara e consciente por um projeto de governo. Um projeto compartilhado por pessoas que não se furtam a assumir suas responsabilidades para com suas famílias, suas comunidades, seu País, seu mundo. Que desejam um Brasil inserido entre os países desenvolvidos, porém com respeito às diferenças. E que admiram a coerência entre discurso e ação, a praxis que tangibiliza valores e ideais.

Há uma história vívida de luta pela democracia no Brasil. A geração dos meus pais enterrou milhares dos seus melhores jovens nas trincheiras da guerra suja contra a Ditadura. Lutaram com panfletos, sensibilidade e discurso. Quando não funcionou, alguns pegaram parabelo e peixeira. Já no fim, aparentemente derrotados pela supremacia feia das armas, lutaram com a resiliência das salas de aula, criando mentes para fazer a hora, e não mais esperar acontecer. São pessoas que choraram nas Diretas Já e que abraçaram seus filhos e pais quando veio a Anistia. São pessoas que, após a falência da metalidade yuppie de toda uma geração, criaram seus filhos valorizando as diferenças, admirando a contestação embasada na solidariedade, na justiça social e no respeito ao meio ambiente. São, em resumo, pessoas calejadas que valoriozam a democracia sobretudo, independentemente de coloração. Basta lembrar que na mesma trincheira tínhamos Serra, Gabeira, José Dirceu e Dilma. No outro pólo, numa linha desarmada, porém não menos relevante, tínhamos Lula. E num rincão do Brasil tínhamos Marina e Chico Mendes, o exemplo brazuca das lições de Gandhi e sua resistência pacífica, buscando justiça na mata sem lei da Amazônia. A geração dos meus pais lutou pela democracia. E os vinte milhões de votos de Marina são o melhor exemplo da maturidade democrática do Brasil.

E estou aqui para falar também dos seus filhos, as gerações X e Y, pra manter uma terminologia modernosa. Nós – sou um X tardio ou um Y precoce, vocês escolhem – somos diferentes. Em primeiro lugar, falar de contestação conosco é mais do mesmo. Nós tivemos pais tolerantes e descolados, até pedimos conselhos a eles o tempo todo, nada dessa linha doida de rebeldia inconsequente. Nós valorizamos o livre discurso, tão consolidado na democracia libertária e anônima da Internet. Nós nos sabemos brasileiros, parte de um País que já viveu seus momentos mais medonhos e tristes, mas que se ergueu com o “vamos fazer juntos”. Não temos o ranço triste e lúgubre da luta contra a Ditadura, porque nossos pais já sofreram o suficiente, e stamos cansados de lágrimas. Somos habitantes do mundo wiki, do universo colaborativo, da Terra como uma grande nação. Nossos pais nos deram segurança, então somos pessoas bem resolvidas, de opiniões fortes, para quem a autoridade instituída é apenas mais um trabalho. Duvido ver um jovem chamando um presidente de Senhor, só se for obrigado.

Nossa relação de hierarquia reside na admiração. E nossa admiração reside no coletivo, na livre circulação de ideias. Somos jovens, alguns, como eu, já na casa dos 30, outros nos 20, e alguns adolescentes que em quatro anos vão chegar às urnas. O Brasil é um país jovem. E nós não somos burros.

Por isso escolhemos Marina.

Nós sabemos que um projeto de poder não deve e n ão pode ser mantido a qualquer custo. E defendemos Marina Silva porque sua vida corrobora esta máxima. Ao discordar de Dilma Roussef e do Governo Lula, Marina rompeu um casamento de décadas com o PT. Sua aparente fragilidade oculta um gigante, cuja força, sensibilidade, senso de justiça e coerência foram calcificados em uma vida de seringais, de protesto contra a servidão e o latifúndio, de força de vontade e, sobretudo, de afeto. Afeto pelo brasileiro, seja ele pobre ou rico. Afeto pela sua família, suas crenças, seus ideais. Afeto pelo Brasil, esta nossa terra que vaga na dicotomia entre belezas naturais e bizarrices socioeconômicas. Se recebiam Marina à bala, ela respondia com palavras e atitudes, uma mulher que sabe o poder das construções semânticas, a força do verbo contra o poder da faca, a força das massas contra o poder individual, exatamente como os pensadores da nossa geração. Nós conhecemos o poder acachapante da resistência pacífica e das torres vetustas das palavras. Aí está porque votamos em Marina. E nós não confiamos levianamente.

Nós somos vinte milhões de brasileiros. E não vamos admitir que Marina apoie quaisquer dos candidatos à presidência no segundo turno sem uma consulta aos seus eleitores. Esta não pode ser uma decisão exclusiva da cúpula do PV.

Vejam, nós buscamos um novo caminho. Sabemos que às vezes um projeto de poder exige sacrifícios, e que faríamos muito pelo Brasil com dois, talvez três ministérios em nossas mãos. Mas não são estes os projetos de País que defendemos. Não queremos o niilismo econômico e social da espúria aliança entrre PSDB e Democratas. Tampouco nos agrada o milagre econômico – quando ouvimos isso antes? – com verniz stalinista sinalizado por PT e PMDB, ainda que admitamos as óbvias b enesses que o Governo Lula trouxe para o Brasil. Quem votou em Marina não é tão ingênuo. Não aceitaremos uma heroína com pés de barro.

Tenho orgulho de ser uma pessoa esclarecida, inteligente e sobretudo pragmática. Em política, sei-me sempre obstinado na defesa de minha particularíssima visão de mundo, protegendo o cimento ideológico que me mantém coeso. Meu pragmatismo – homem de comunicação que sou – pede uma aliança. Não preciso prender-me a análises de cenário, qualquer cientista político já elencou vantagens e desvantagens das polarizações do PV e da Marina entre os dois jogadores do segundo turno. Acredito que cada eleitor de Marina tem igual capacidade de analisar os retornos práticos de uma aliança com Dilma ou Serra.

Mas subitamente vejo-me jogando fora meu pragmatismo, meu racio nalismo. Porque meu voto em Marina não foi apenas racional. Foi antes de tudo um voto de esperança num Brasil menos pragmático e mais sensível. Num governo que analise estrategicamente as mais relevantes questões nacionais, com a coragem de sugerir soluções impensadas e por vezes aparentemente irracionais, mas que em vinte anos mostrar-se-ão as mais acertadas. Visão de futuro é um misto de racionalidade e sentimento. Meu governo ideal é um governo com visão de futuro. E a visão de Dilma e Serra é um futuro do pretérito, um futuro reativo e careta, limitado pela racionalidade mecanicista e parcial de pessoas presas a um passado maniqueísta. E o mais incrível, duvido que qualquer um deles tenha sofrido mais do que Marina, lá nos seringais do Acre. É preciso coragem para deixar de lado o rancor de uma vida inteira de privações. Marina teve esta coragem, enquanto Serra e Dilma chafurdam em sua covardia, brandindo seu poderio autoritário como se fossem os su cessores daqueles com quem lutaram. Serra difamou Dilma e planejou estratégias para o segundo turno no velório do pai do Aécio Neves. Dilma tentou calar a imprensa e abafar o absurdo tráfico de influências em todas as esferas dos três poderes. É um jogo sujo. Uma mulher como Marina não pode apoiar pessoas assim.

É por isso que sou pela neutralidade em cenário nacional. E há outros porquês.

Porque daqui a quatro anos teremos uma candidata mais que viável à presidência. Porque Marina representa um ideal jovem e moderno, que eclode a visão careta de um mundo de velhas oligarquias e da luta marxista de classe (nem a China é comunista mais, gente!). Porque Marina sempre foi contra o Governo FHC e seus desmandos, e sabemos que José Serra é um FHC com um vocabulário menos rebuscado. Porque Marina abandono u um ministério por não acreditar que se deva construir uma usina no meio da Amazônia sem a devida avaliação de seu impacto ambiental. Porque Marina foi suficientemente elegante para não usar seu imenso poder contra o autoritarismo grotesco de Dilma. Porque Marina é diferente, e qualquer opção outra que não a neutralidade será interpretada como um fisiologismo barato e politiqueiro, que não condiz com a vida desta mulher que é um exemplo do que o Brasil tem de melhor.

E porque uma aliança, seja com Serra ou com Dilma, vai decepcionar-me profundamente.

Sabem, Marina tem cara de carro elétrico, de energia eólica, de rede social, de SWU, de médico da família, de dar o peixe sim, mas ensinar a pescar logo depois. Marina tem a cara da wikipedia, da long tail, de APL, do consumo responsável, de preferir um colar de coco a uma joia da H Stern. Marina tem a minha cara, e a dos meus filhos, que são crianças hoje, mas que daqui a oito anos já poderão votar. Marina tem a cara dos meus pais, que mesmo tendo passado pela Ditadura conseguiram manter bom humor e alegria de viver. Marina tem a cara do jovem que olha para um adulto mandão e diz “hã?”, porque Marina nunca é mandona, ela ouve você, absorve suas ideias e depois lidera um mundo com elas. Marina tem a cara dos chinelos havaianas, de político que não usa terno, porque um palhaço pode usar terno, mas ninguém copia as atitudes de um político de verdade. E Marina é verde. Da cor do Brasil.

Sei que o estatuto do PV permite que decisões de cúpula sejam tomadas à revelia das bases. Mas entendo que há um processo democrático a ser cumprido junto à sociedade, junto aos eleitores de Marina Silva. Acima do PV há vinte mi lhões de eleitores – pessoas da sociedade civil, artistas, intelectuais. Há o Movimento Marina Silva, surgido antes ainda de sua candidatura à Presidência. E há a figura pública de Marina Silva, a gestalt que faz dela um exemplo nacional, uma esperança, um sopro de renovação nesta política tão vilipendiada pela interferência nefasta do Executivo sobre os outros dois poderes. Meu apelo aqui dirige-se àqueles que como eu votaram em Marina Silva, uma Senadora de registro impecável, ex-Ministra, uma figura que esteve no cerne das discussões mais relevantes do País. Dirijo minhas palavras ainda à mulher Marina, doce Marina, talhada na dureza da selva, na doença, na sabedoria adquirida em uma vida de escolhas nobres e muitas vezes difíceis. Nós temos uma líder para o futuro. Não podemos enterrá-la sob os escombros de uma política falida que defende interesses de curto prazo. O Brasil merece mais. Nós merecemos mais. Marina merece mais.

Rafael de Freitas Peixoto

Artigo de Alfredo Sirkis

Marina no segundo turno


Marina torna-se instrumento para a elevação de um debate que tende a virar briga de torcida organizada, na busca da vitória a qualquer preço

É de praxe na política brasileira que os candidatos derrotados no primeiro turno operem rápida adesão a um dos remanescentes em gabinetes fechados, almoços ou telefonemas em que são barganhados ministérios, fatias de Orçamento, secretarias, diretorias, superintendências e cargos comissionados.

No jargão corrente, são os tais "espaços políticos". Esse não será o caminho dos verdes. Nossa primeira responsabilidade agora é fazer jus aos 20 milhões de votos (quase 20%) obtidos por Marina Silva.

Fique claro: não são votos verdes e nem mesmo Marina pretende que sejam "seus". Conforme ela própria vem colocando insistentemente, são votos dos eleitores.

De qualquer maneira, pairam sobre nós como uma enorme responsabilidade. Exigem que deles sejamos dignos. Não foram tanto votos "de protesto", mas, sim, de diferenciação e de esperança.

Votaram em Marina a classe média iluminista, os jovens e as mulheres pobres, em grande parte cristãs. O voto verde veio incluído nos dois primeiros segmentos. O terceiro representa um poderoso vínculo de identificação pessoal com Marina. Um laço de amor.

O segundo turno, de fato, exige uma definição. Dilma, Serra ou o não envolvimento eleitoral. Isso será deliberado em aproximadamente 15 dias, por convenção nacional do Partido Verde, prevista desde o ano passado, na qual se garantirá à posição minoritária o direito de se expressar individualmente.

Nossa responsabilidade imediata é criar canais de participação para os que atuaram intensamente na campanha, mas que não pertencem aos verdes (grupos de programa, Movimento Marina Silva e apoios religiosos), e, sobretudo, condensar um programa mínimo a ser apresentado e discutido de forma séria, transparente e responsável com Dilma e Serra.

Vamos colocar a sustentabilidade socioambiental no cardápio das discussões com ambos, empedernidos desenvolvimentistas clássicos.

Mas abordaremos também outros aspectos: garantias de conduta republicana e respeito às instituições (traduzidas em providências práticas), educação, segurança, saúde etc. Será abordagem realista.

Sem faca no pescoço, com direito a discussão aprofundada, checagem de números e fatos. Mas que poderá demandar eventuais mudanças de rota e colidir com outros compromissos por eles já assumidos. Marina, no segundo turno, torna-se uma referência para os questionamentos da sociedade e um instrumento para a elevação de um debate que tende a virar briga de torcida organizada, na busca da vitória a qualquer preço.

Queremos ajudá-los a evitar esse destino. Até porque Marina disse que, caso vencesse, tentaria realinhamento histórico que juntasse o melhor desses dois partidos social-democratas, que disputam entre si a "liderança do atraso".

O Brasil não pode deixar de discutir como direcionar seus investimentos públicos e seu sistema tributário para a sustentabilidade.

Precisa discutir também o que seria uma nova economia "verde", de baixo carbono; as ameaças à legislação ambiental; como a esfera federal poderia contribuir melhor para a segurança nos Estados; e como os terríveis gargalos na educação podem ser vencidos.

Deve ser discutido como o saneamento básico e a prevenção de acidentes podem reduzir dramaticamente a pressão sobre nosso sistema público de saúde; como podemos robustecer as boas práticas republicanas e as garantias individuais dos cidadãos; e como, enfim, reformar um sistema político gravemente enfermo.

A ausência de Marina no segundo turno, por força da decisão soberana dos eleitores, transforma-se, assim, em uma presença ética e programática.

ALFREDO SIRKIS, 59, deputado federal eleito pelo Partido Verde (RJ), é vereador pelo mesmo partido no Rio de Janeiro, presidente do PV do Rio e vice-presidente nacional do partido. É autor, entre outras obras, de "Os Carbonários".

Folha de São Paulo, 06/10/2010

Artigo de Maurício Abdalla

Marina,... você se pintou?


Marina, morena Marina, você se pintou diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o grito da Terra e o grito dos pobres, como diz Leonardo.

Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?

Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as famiglias que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.

Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava fazendo água. O povo insistia em confirmar não a sua preferência por Dilma, mas seu apreço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção de voto em sua candidata. Mas os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz. Sacaram da manga um ás escondido. Usar a Marina como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo para a guerra suja.

Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul. Azul tucano. Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve, que sua luta junto aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP, o Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram, e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais.

Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a vitória da Marina. Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.

Marina, você faça tudo, mas faça o favor: não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você tanto faz. Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele.

Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu.

Maurício Abdalla
Professor de filosofia da UFES

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Artigo de Aldo Fornazieri

Uma dura lição para o PT


Como o processo eleitoral ainda não terminou, o resultado do primeiro turno permite afirmar que o PT saiu dele com uma derrota relativa: não alcançou seu principal objetivo, que era o de eleger Dilma Rousseff sem a necessidade de um segundo turno. De quebra, a oposição saiu fortalecida nas disputas estaduais, com quatro governadores eleitos pelo PSDB e dois pelo DEM. O PSDB manteve os seus dois principais baluartes: São Paulo e Minas Gerais; e o DEM não foi extirpado da política brasileira. A conquista do Paraná foi contrabalançada pela perda do Rio Grande do Sul.

O novo fracasso do PT nos dois principais colégios eleitorais do País revela duas coisas: em Minas houve um enorme erro de estratégia com o não lançamento de uma candidatura própria. Em São Paulo o PT precisa mudar de rumos e apostar em novas lideranças. Com a vitória de Tarso Genro no primeiro turno, o eixo de poder no PT passa por fora do Sudeste.

O resultado final em 18 Estados, com 4 governadores do PMDB, 4 do PT, 3 do PSB e um do PMN, mostra um quadro de equilíbrio entre governo e oposição, o que é salutar para a democracia, já que impede um hegemonismo desequilibrador de uma sigla. A oposição fugiu do apocalipse que se anunciava, é verdade. Mas terá de se reconstruir, pois PSDB e DEM são partidos fragmentos, sem base social e sem eixos programáticos claros, capazes de lhes conferir identidade e sentido.

Marina Silva foi a grande vencedora do primeiro turno. Ganha força para negociar uma agenda com um dos candidatos - Dilma ou José Serra. Um purismo olímpico de Marina neste momento representaria um não dar consequência à sua expressiva votação.

Serra vai para o segundo turno não por méritos próprios, mas graças ao desempenho de Marina. O que ele ganhou é uma oportunidade de se reabilitar, de reconstruir sua credibilidade, de apresentar uma agenda para o Brasil, pois a sua campanha no primeiro turno foi sofrível, errática e sem foco. O segundo turno, de qualquer forma, recoloca em cena aquilo que se previa no início do processo eleitoral: uma campanha dura e polarizada entre Dilma e Serra. Naquele momento se esperava até mesmo que Serra pudesse chegar à frente de Dilma no primeiro turno.

Dilma fez uma campanha centrada nas realizações do governo, mas também deficitária em termos de agenda futura. O que mais pesou para o seu recuo na reta final, e a ascensão de Marina, foram a tradicional arrogância petista, ancorada numa sede desmedida de poder, e a insistência em não aprender com os erros do passado. Três erros graves da campanha governista determinaram o segundo turno.

O primeiro erro foi o escândalo envolvendo Erenice Guerra. Alegar desconhecimento do tráfico de influência na Casa Civil é absolutamente insustentável, pois o governo dispõe da Abin, da Política Federal e de outros órgãos de controle interno para saber o que se passa no alto escalão governamental e no seu entorno. O que o episódio Erenice demonstra é que o PT e o governo abandonaram os cuidados necessários com o tema da moralidade pública, acreditando que o poder é uma espécie de salvo-conduto para práticas antirrepublicanas. Na verdade, desde que chegou ao poder, o PT foi enfraquecendo sua vértebra republicana, caminhando para a vala comum dos outros partidos nesse quesito. Não é raro ouvir de militantes petistas a tese de que sem essas práticas não se governa. O que a evidência tem demonstrado é que a assimilação dessas teses e dessas práticas representa muito mais risco do que benefício político, além de uma descaracterização em termos de valores republicanos.

O segundo erro, na reta final da campanha, consistiu em morder a isca, pisar na casca de banana jogada pelos adversários. Os petistas - presidente Lula à frente - passaram a atacar a imprensa, abrindo o flanco para que proliferassem acusações de antidemocratismo e para que se publicassem manifestos em defesa da liberdade de expressão, reanimando o medo que é tônica nas campanhas desde 1989, quando Lula chegou perto da vitória. O próprio presidente parece ter-se esquecido de que o que ganha votos são mensagens positivas, simplicidade e um estilo "Lulinha paz e amor".

O terceiro erro foi em torno do polêmico tema do aborto. Inicialmente, documentos do PT o declararam a favor do aborto. Dilma manteve uma posição ambígua sobre o assunto até que, na véspera das eleições, no contexto de perda de votos por causa das dúvidas sobre sua posição, ela se manifestou contra o aborto. Mas já era tarde. Aqui também há uma falta de aprendizado com a História. Temas morais, altamente sensíveis para a maioria das pessoas comuns, merecem todo o cuidado no trato dispensado por candidatos majoritários. Um presidente da República deve ser o símbolo da unidade da Nação. Os temas morais polêmicos devem ficar no âmbito do Legislativo.

Dilma e Serra precisam extrair uma bela lição da campanha de Marina. Não são apenas cimento, ferro, estradas e obras que rendem votos. O "eu fiz" ou "fiz mais" também não resolve tudo. Uma campanha para a Presidência precisa irradiar valores vinculantes, uma perspectiva de civilização. Os dois candidatos mais votados pouco falaram de valores.

Uma eleição presidencial é também uma promessa de futuro, uma visão de destino que a sociedade quer e precisa se dar. O futuro não se define apenas no factível em termos de obras, mas também na regulação social pelo metro dos valores. A política é um dos fatores sociais nos quais os indivíduos querem encontrar uma razão de vida. A política é a atividade que consegue configurar de forma mais abrangente um sentido de pertencimento a uma comunidade de destino. Uma disputa presidencial apartada de valores e de sentido civilizador perde a sua razão principal de ser.

ALDO FORNAZIERI
DIRETOR ACADÊMICO DA FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO (FESPSP)

O Estado de São Paulo, 05/10/2010

Artigo de Augusto de Franco

A derrota política do lulo-petismo


Marina contribuiu para separar o joio do trigo em uma base eleitoral que o governo acreditava cativa e abriu fenda no esquema neopopulista

Contra fatos não há argumentos.

E "o dado concreto" é que os brasileiros, em sua maioria, não apoiaram o terceiro mandato de Lula (por interposta pessoa).

Os quase 47% dos votos de Dilma configuram uma derrota política, se considerarmos o fortíssimo empenho da máquina estatal a favor de sua candidatura e o engajamento exorbitante do presidente da República -como "nunca antes se viu neste país"- em prol da sua vitória no primeiro turno.

Com efeito, Lula abandonou a sua posição de magistrado para se engajar na guerra eleitoral da forma mais rasteira, transformando vítimas em culpados, levantando solertes suspeições, falsificando a opinião pública, investindo contra a liberdade de imprensa.

Ele cometeu esse erro porque estufou com seus 80% de popularidade. Perigo! Em política, a hiperinflação do ego costuma vir acompanhada de pretensões despóticas. E o sujeito possuído pelo mito que criou sobre si mesmo acredita-se o único eleitor e acaba confundindo popularidade com legitimidade.

Em certa época, 99% dos albaneses achavam o governo do ditador Hoxha ótimo ou bom. Saddam, nos seus tempos de glória, alcançou 96% de aprovação dos iraquianos.

Fujimori, quando deu um golpe em 1992, dissolvendo o Congresso e intervindo no Judiciário, chegou a 80% de popularidade no Peru.

Na lista das duas dezenas de ditadores remanescentes, de Lukashenko (em Belarus) a José Eduardo (em Angola), de Kim Jong Il (na Coreia) a Gaddafi (na Líbia), dos irmãos Castro (em Cuba) a Mugabe (no Zimbábue) passando por al-Bashir (no Sudão), temos um verdadeiro festival de campeões de popularidade.

Todos esses autocratas, a despeito dos votos que teriam ou tiveram, eram e são ilegítimos. Lula deveria refletir sobre isso.

Mas, independentemente do resultado do segundo turno, uma derrota política mais profunda do lulo-petismo já começou.

Porque a degeneração da política que atingiu o coração do governo-partido aborreceu seu público mais íntegro e criativo. Quem tinha um pouco de honestidade e espírito inovador não via a hora de pular fora daquele antro.

Quando apareceu uma candidatura alternativa, como a de Marina, a porta se escancarou. Militantes, simpatizantes e eleitores que ainda votavam no petismo para não parecer retrógrados acorreram para a saída, aos milhões.

Marina contribuiu para separar o joio do trigo numa base eleitoral que o governo acreditava cativa.

Abriu uma fenda no esquema neopopulista, que só tende a se alargar. Lula e o PT ficaram com o joio.

Restaram-lhes, além das vítimas do clientelismo assistencialista e os mesmerizados pela sua retórica, os militantes mais deformados e os negocistas da política.

Tudo isso dependeu, em parte, do discurso inovador de Marina, mas, muito mais, da situação que objetivamente se configurou.

Mesmo que ela, Marina -tentada a se construir como liderança mítica substituta de Lula ou como chefe de uma espécie de "PT do bem"-, não recomende o voto em Serra no segundo turno (o que seria um erro), o estrago no lulo-petismo está feito.

AUGUSTO DE FRANCO, 60, escritor, é autor, entre outras obras, de "Alfabetização Democrática". Foi conselheiro e membro do Comitê Executivo da Comunidade Solidária durante o governo FHC (1995-2002). Foi membro da direção nacional do Partido dos Trabalhadores de 1982 a 1993.

Folha de São Paulo, 05/10/2010