sábado, 20 de novembro de 2010

Transição

Erradicação da pobreza

A primeira reunião de trabalho da Equipe de Transição do Governo Dilma Rousseff ocorreu nesta última quinta-feira, 18/11/2010, entre 14 e 17h, no Centro Cultural do Banco do Brasil. O tema escolhido: Erradicação da Pobreza. Fui um dos 25 especialistas convidados a apresentar idéias e propostas.

Estiveram presentes, pela Equipe de Transição, a Presidente eleita Dilma Rousseff, o Vice-Presidente eleito Michel Temer, Antonio Palocci, José Eduardo Cardoso, Nelson Barbosa e Clara Ant. Dentre os especialistas convidados, cabe destacar: Ricardo Paes e Barros, Marcelo Neri, Marcio Pochmann, Paul Singer, José Graziano, Laís Abramo, Márcia Lopes, Miriam Belchior, dentre outros.

Márcia Lopes, Ministra do Desenvolvimento Social, foi a primeira convidada a falar. Iniciou destacando os resultados alcançados com as políticas sociais do Governo Lula, ressaltando o Programa Bolsa-Família, o Sistema Único de Assistência Social e o Sistema de Segurança Alimentar. Defendeu vários temas como prioritários para uma política de erradicação da pobreza: inclusão produtiva, renda básica de cidadania, formação profissionalizante, micro-crédito, incentivo à economia solidária, atenção especial à pobreza rural, à juventude e à erradicação do trabalho infantil. Concluiu defendendo a necessidade de integração das políticas públicas nos territórios, como uma condição para o alcance de maior efetividade.

Ricardo Paes e Barros, o próximo convidado a falar, apresentou dados demonstrativos da redução da pobreza alcançada no Governo Lula. Defendeu a viabilidade "orçamentária" da erradicação da pobreza com investimentos da ordem de 8 bilhões de reais por ano. Apontou que as políticas atuais atingiram seu limite de "cobertura". Chamou atenção para a diversidade da pobreza e defendeu a necessidade de maior focalização e customização de soluções. Argumentou em favor de uma abordagem territorial e familiar, com integração das políticas públicas e um serviço de "coaching" executado por uma rede de agentes de desenvolvimento social.

Marcelo Neri, o convidado seguinte, também apresentou indicadores de redução da pobreza e estimativas de custos para sua erradicação. Defendeu a necessidade de focalização nos mais pobres dentre os pobres e na primeira-infância. Argumentou em favor de uma maior diversidade de soluções, de modo a permitir, aos beneficiários das políticas sociais, escolhas mais apropriadas a cada situação particular. Também defendeu a proposta de uma rede de agentes de desenvolvimento social. Finalmente, chamou atenção para a necessidade de redefinição da "linha de pobreza", de modo a possibilitar o monitoramento e avaliação das políticas sociais a partir deste parâmetro.

Seguiram-se as falas dos demais convidados, com um tempo mais restrito. Destaco algumas delas.

José Graziano defendeu a priorização da pobreza rural e da pobreza das periferias das áreas metropolitanas. Destacou a situação das mulheres pobres com filhos menores, que têm mais dificuldade de ingresso no mercado de trabalho. Argumentou também sobre a necessidade de políticas "pro-ativas", que busquem os pobres onde estão.

Paul Singer defendeu uma maior investigação qualitativa da pobreza, para conhecer melhor as diferentes realidades dos pobres e propor soluções customizadas. Colocou a idéia da "busca da felicidade" como objetivo estratégico a ser perseguido. Defendeu uma abordagem territorial, através de políticas de desenvolvimento local.

Juarez de Paula começou afirmando que a melhor forma de inclusão social é pela via do empreendedorismo. Defendeu a combinação de três políticas sociais: apoio ao desenvolvimento local/territorial, apoio às tecnologias sociais e apoio aos fundos solidários/rotativos. Argumentou que já existem experiências exitosas que precisam ganhar escala. Destacou que essas políticas consideram a lógica da territorialização e da customização de soluções, valorizando o protagonismo e a conquista da cidadania. Concluiu defendendo a continuidade do Programa Territórios da Cidadania, ampliando sua atuação de modo a incluir as áreas urbanas, sobretudo as periferias das áreas metropolitanas.

Maya Takagi defendeu a priorização dos grupos mais vulneráveis, a exemplo dos "sem registro civil", dos analfabetos, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos indígenas, dos sem-teto, etc. Defendeu também a integração das políticas públicas nos territórios, onde a articulação pode ser tornar mais efetiva.

Laís Abramo defendeu a priorização das mulheres, sobretudo as jovens e negras. Destacou a necessidade da erradicação do trabalho infantil. Argumentou em favor das creches como condição para a inclusão produtiva das mulheres.

Daniel Vargas defendeu a criação de uma plataforma nacional de políticas sociais baseada numa "Lei de Responsabilidade Social", no "Serviço Civil Obrigatório" para bolsistas universitários e num plano de metas com incentivos e sanções para Estados e Municípios.

Marcio Pochmann falou sobre a necessidade de chegar ao "núcleo-duro" da pobreza que ainda não é alcançado pelas políticas sociais. Falou sobre a segregação espacial da pobreza, o que justifica uma abordagem territorial. Falou sobre a transição do trabalho material para o trabalho imaterial, processo que gera novas exclusões e novos pobres. Defendeu a redefinição da "linha de pobreza", as políticas de desenvolvimento local e a construção de um "pacto nacional" pela erradicação da pobreza.

Nelson Barbosa defendeu a priorização de um programa de creches que permita o atendimento da primeira-infância (crianças de 0 a 4 anos), com alimentação, educação e saúde, quebrando o ciclo de reprodução da pobreza.

Miriam Belchior argumentou que as políticas atuais estão corretas, devem ser mantidas, mas que é preciso ampliar a cobertura e aprimorar a gestão. Defendeu a manutenção do Programa Territórios da Cidadania como um bom ensaio de integração de políticas públicas nos territórios.

Antonio Palocci colocou a necessidade de continuidade e aprofundamento do debate.

Convidados a tentarem fazer uma síntese final, os três primeiros oradores foram novamente chamados a falar.

Marcelo Neri destacou a introdução do conceito de "felicidade" como um objetivo estratégico relevante. Reforçou a idéia da diversidade e customização das soluções e a proposta da rede de agentes de desenvolvimento social.

Ricardo Paes e Barros destacou a necessidade do foco no atendimento e acompanhamento familiar, através da rede de agentes de desenvolvimento social. Reforçou a idéia da convergência das políticas nos territórios, como no Programa Territórios da Cidadania. Defendeu mais gestão, acompanhamento e avaliação como uma forma de dar um salto de qualidade nas políticas já existentes.

Marcia Lopes defendeu a criação de um forum permanente de debate das políticas sociais. Reconheceu que a capacidade de gestão é um dos limites atuais. Defendeu soluções de desenvolvimento local e territorial como o Programa Territórios da Cidadania. Defendeu a necessidade de ampliar a cobertura e a escala das políticas atuais. Concluiu argumentando em favor de uma visão sistêmica do combate à pobreza, o que exige a convergência das políticas públicas.

Concluindo a reunião, a Presidente eleita Dilma Rousseff afirmou que a escolha deste tema para a primeira reunião foi proposital, para deixar claro que a erradicação da pobreza é a primeira prioridade do governo. Concordou com a necessidade de investir num melhor mapeamento e conhecimento das realidades diversas da pobreza. Concordou com a necessidade de melhorar a gestão e a eficácia das políticas existentes, mas também com a necessidade de criar novas soluções customizadas. Concordou com a necessidade de manter o Programa Territórios da Cidadania como um esboço de estratégia de integração das políticas públicas. Concordou com a idéia de criação de um forum permanente do desenvolvimento social, para o qual gostaria de continuar contando com a contribuição dos convidados. A reunião foi encerrada.

Penso que esse tipo de reunião tem mais um caráter simbólico do que técnico. O importante não é o resultado imediato da reunião, o produto gerado, mas a construção de uma agenda temática que oriente as iniciativas governamentais. Nesse sentido, considero que foi um momento promissor.

Juarez de Paula

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Cenário pós-eleitoral

Eleições 2010 - algumas reflexões iniciais
 
Publiquei neste Blog, em 06/09/2010, um artigo intitulado "Explicando o óbvio", onde argumentei sobre as razões da provável e previsível vitória de Dilma Rousseff. Considero desnecessário voltar às mesmas questões. Desejo, nesse artigo, explorar novos aspectos, partindo dos resultados das urnas.
 
Contrariando a expectativa de diversos estrategistas e analistas, não houve correspondência entre os resultados das eleições presidenciais e das eleições para governadores de estados. Os exemplos são muitos: no AC o PT elegeu o governador, mas Serra venceu; em RO o PMDB elegeu o governador, mas Serra venceu; no PA o PSDB elegeu o governador, mas Dilma venceu; no TO o PSDB elegeu o governador, mas Dilma venceu; no RN o DEM elegeu o governador, mas Dilma venceu; em AL o PSDB elegeu o governador, mas Dilma venceu; no MT o PMDB elegeu o governador, mas Serra venceu; no MS o PMDB elegeu o governador, mas Serra venceu; no ES o PSB elegeu o governador, mas Serra venceu; em MG o PSDB elegeu o governador, mas Dilma venceu; no RS o PT elegeu o governador, mas Serra venceu. Uma evidência de que o voto não foi programático ou ideológico. O eleitor votou segundo o perfil dos candidatos, variando sua preferência independentemente das alianças partidárias.
 
Um número muito significativo de eleitores não votou nem em Dilma, nem em Serra. Foram mais de 38 milhões de eleitores, o equivalente a 28,2% do eleitorado, somando as abstenções (21,5%), os votos nulos (4,4%) e os votos em branco (2,3%). Isso evidencia um certo esgotamento da polarização entre PT e PSDB. Uma boa parte do eleitorado decidiu demonstrar que não se identifica com nenhum desses partidos ou com os candidatos que os representaram. É uma sinalização importante de um "vazio político" a ser preenchido.
 
O PSDB, mesmo derrotado nas eleições presidenciais, elegeu o maior número de governadores, vencendo em 8 estados, incluindo os dois maiores colégios eleitorais do país: SP, MG, PR, GO, TO, PA, RR e AL. Isso representou 45% do total de votos para governador. Considerando os dois governadores eleitos pelo DEM - SC e RN - é possível afirmar que as oposições terão força suficiente para manter um certo equilíbrio de poder.
 
O PSB surge como a principal força emergente. Elegeu 6 governadores: ES, PE, CE, PB, PI e AP. Estará apto a pressionar por uma maior participação no Governo Dilma e a fazer movimentações no sentido de sair da condição de coadjuvante do PT.
 
O PT elegeu 5 governadores: RS, BA, DF, SE e AC. Mesmo resultado obtido pelo PMDB: RJ, MT, MS, RO e MA. Reforça a situação de equilíbrio entre os dois partidos que ancoram a base do Governo Dilma e alimenta a disputa entre ambos por espaços de poder.
 
O PMN completa a base governista com o governador do AM.
 
Minha primeira impressão é de que o Governo Dilma iniciará sob forte pressão. Dilma não tem uma liderança consolidada. É uma invenção de Lula. Terá o ônus de substituir um mito e de dar continuidade a um governo com índices muito elevados de popularidade. Precisará se impor frente ao PT, ao PMDB, ao PSB e demais partidos aliados. Precisará evitar uma disputa interna que leve a uma situação de instabilidade política. Além disso, receberá o país numa situação econômica mais vulnerável. E terá oposição!
 
A oposição cresceu, ficou mais forte e absorveu o aprendizado de que precisa ser mais atuante, mais firme, mais contundente. Não terá em relação a Dilma a reverência que teve em relação a Lula. A segunda derrota de Serra na disputa presidencial e seu isolamento, durante a campanha, na relação com os aliados, implicou no seu enfraquecimento imediato. Mas Serra deu sinais de que pretende se manter na cena política. Portanto, considerando o hegemonismo paulista que caracteriza o PSDB, não é certa a emergência de Aécio Neves como a principal liderança da oposição. Mesmo porque seu perfil conciliador não seria o mais adequado para uma oposição que precisa afirmar sua identidade. Ainda assim, Aécio reúne as condições mais favoráveis, no momento, para liderar a oposição.
 
Há muitas especulações sobre uma eventual Reforma Política. Lula tem dito que deseja trabalhar pela constituição de uma Frente que reúna PT, PSB, PDT e PCdoB, além de outros aliados mais recentes. Na oposição, PSDB, DEM e PPS estão sempre cogitando uma eventual fusão. Caso seja aberta uma "janela de oportunidade" em relação às regras atuais de fidelidade partidária, poderá haver muita troca de partido.
 
É prudente aguardar as movimentações para composição dos futuros governos, que poderão implicar em alterações no cenário de alianças partidárias. Veremos.
 
Juarez de Paula

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Artigo de Marina Silva

Velado e revelado


Ao longo de mais de 30 anos construiu-se no Brasil um campo de conhecimento e de ação que, nestas eleições, furou a última carcaça que ainda o mantinha longe do nível mais decisório da vida do país: a política. Com um rico acúmulo de produção teórica, experiências práticas, conquistas legislativas, institucionais e culturais, as propostas socioambientais para um modelo de desenvolvimento que dialogue com o século 21 começam a ser reconhecidas como um projeto nacional, abrindo uma brecha para a formação de nova força política.

Esse é o horizonte. Para consolidá-lo temos longa batalha pela frente, mas o passo essencial está dado. O projeto socioambiental não quer frear a economia nem empatar o crescimento. Quer tão somente fazer o encontro entre economia, ecologia, justiça social e desenvolvimento durável. É preciso amalgamar, juntar as pontas, dar escala e visibilidade ao que já está disperso na realidade, comparar com o modelo ainda dominante, transformar em alternativa real de escolha política.

O caminho está aberto, e muita gente, quase 20 milhões de pessoas, se interessou por ele. Pela primeira vez um projeto identificado com uma visão de transição de grande impacto consegue saltar do quase total desconhecimento para um adensamento eleitoral tão relevante. É uma base excepcional para pensar a construção de uma terceira via, para não só quebrar a polarização conservadora hoje representada pelo confronto PT X PSDB, como para motivar novos contingentes de brasileiros a assumir uma prática política ativa e nova, mais integradora, não destrutiva e menos obcecada por hegemonia.

A experiência de uma campanha desse porte extravasou minha capacidade de apreendê-la em toda sua riqueza, nesse momento. Vi-me entre um Brasil revelado – e que quer se revelar - e um Brasil velado, que quer se esconder na velha política das coisas meio vistas, meio ditas, meio comprometidas, meio esfumaçadas, inteiramente ultrapassadas. No cotejo entre ambos, fica patente o enorme equívoco do Brasil velado. Não percebe a intensa predisposição dos brasileiros a ouvir opiniões sinceras, que valorizam mesmo quando não concordam com elas. Preferem que a disputa se faça pela exposição do pensamento, das propostas e das práticas, não por meio de técnicas de mútua desconstrução, da qual ninguém sai maior. Nem atacante nem atacado, nem a ética nem a política.

Uma revelação honesta vale mais que a resposta ensaiada. Senti isso de maneira enfática na juventude. Em Varginha, Minas Gerais, uma escola inteira pressionou os professores para ir até o auditório da cidade ouvir minha fala. Em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, um grupo de jovens fez por sua própria conta cartazes improvisados de cartolina para aguardar nossa passagem. Essas manifestações movidas a pura vontade me deixam certa de que há uma terceira via política, vigorosa e inovadora, pedindo passagem. Para quem, como eu, disse que queria ser mantenedora de utopias, não poderia haver maior realização.

Ao mesmo tempo, constatei a força dos costumes que empurra muita gente a cobrar dos candidatos o ataque na jugular do oponente, o fazer dos defeitos alheios o seu trampolim. Ao me recusar a isso, parecia a muitos, num primeiro momento, que não estava sendo suficientemente contundente. Parte da imprensa vai muito por essa linha. O que surpreendeu a esses é que a nossa opção teve grande acolhimento. Há, de fato, espaço para tratar de problemas no seu mérito e na qualidade das soluções propostas.

Essas eleições merecem leituras criteriosas e profundas, não meras justificativas partidárias. É preciso reconhecer a exaustão do sistema político e a crise no campo social-democrata que acabou servindo, tanto do lado do PT quanto do PSDB, de biombo para a sobrevida política de velhas oligarquias. A campanha do Partido Verde causou perplexidade porque saiu do roteiro previsível e se legitimou de tal forma que exigiu respostas e sinalizações das demais campanhas. Que isso não seja considerado mero acidente de percurso, que não se pense que é modismo, porque não é.

Agora, o desafio do PV, do campo socioambiental e de todos aqueles que sentiram esperança numa mudança política, é colocá-la de pé. O desafio dos vencedores ou dos que ficarão na oposição é dialogar com a realidade e a complexidade do mundo e do Brasil de hoje, saindo do casulo de suas estratégias de poder reducionistas. Tenho certeza de que todos os eleitores esperam por isso, independentemente de suas paixões partidárias.

Como disse na Carta Aberta enviada a Dilma Roussef e José Serra, “não há mais como fechar os olhos ou dar respostas tímidas e insuficientes às crises que convergem para a necessidade de adaptar o mundo à realidade inexorável ditada pelas mudanças climáticas”. E repito aqui: o principal desafio não é a natureza, é a urgência de encararmos os limites dos nossos modelos de vida e de darmos um salto civilizatório, de valores.

A sociedade, afirmei na Carta Aberta, está entendendo cada vez mais o papel dessa mudança para o país, a humanidade e o Planeta. Os votos que me foram dados podem não refletir conceitualmente essa consciência, mas refletem o sentimento de superação de um modelo. E revelam também a intuição de que o grande nó está na política, porque é nela que se decide a vida coletiva, se consolidam valores ou a falta deles.

Essas eleições nos mostraram uma oportunidade única de inflexão. Será extremamente injusto com o Brasil não aproveitá-la.

Marina Silva, 52, é senadora do Acre pelo PV, foi candidata do partido à Presidência da República nestas eleições e ministra do Meio Ambiente do governo Lula (2003-2008).

O Estado de São Paulo, 01/11/2010