sábado, 26 de março de 2011

Manifesto pela democratização do PV

Democracia Verde


Manifesto por um PV Aberto, Democrático e de Luta

As eleições de 2010 deixaram um legado. Aproximadamente 20 milhões de eleitores demonstraram que a temática do desenvolvimento sustentável não é mais uma preocupação de minorias esclarecidas, nem uma agenda para um futuro que nunca chega. Pelo contrário, trata-se de um tema urgente, necessário e oportuno, um imperativo da contemporaneidade.

A candidatura de Marina Silva à Presidência representou um novo momento na história do Partido Verde. Um número muito expressivo de antigos militantes, que estavam afastados das atividades partidárias, encontrou um novo ânimo, uma nova motivação para retomar suas atividades políticas. Além disso, milhares de novos militantes têm procurado se aproximar do PV, egressos dos mais diversos partidos e movimentos sociais, como também muitas pessoas que jamais cogitaram se filiar a um partido.

A campanha eleitoral do PV em 2010 simbolizou, para todas essas pessoas, uma nova esperança, uma nova possibilidade de exercício da cidadania ativa, uma nova oportunidade de atribuir valor e sentido à atividade política, uma nova utopia, um novo modo de fazer política.

O PV pode e deve ser a expressão política deste legado. Para isso, precisa enfrentar o desafio imediato de renovar-se, de abrir-se à participação efetiva de seus militantes e simpatizantes.

Nesta perspectiva, os signatários deste documento, filiados ao PV, se colocam publicamente como um “movimento de opinião” em defesa das seguintes posições políticas:

1. Defendemos um PV que assuma uma clara posição de protagonismo político em favor de um modelo de desenvolvimento includente e sustentável, recusando o papel de coadjuvante de outros projetos políticos que não guardam coerência com seus propósitos.

2. Defendemos o cumprimento integral do acordo político que fundamentou a filiação de Marina Silva ao PV, onde se previa a abertura de um processo participativo de rediscussão programática e estatutária.

3. Defendemos a convocação imediata de um Encontro Nacional do PV, para outubro de 2011, com a participação de representantes eleitos em Encontros Estaduais abertos à participação de todos os filiados, para a revisão do Programa, do Estatuto e para a eleição da direção nacional do PV.

4. Defendemos a criação de diretórios municipais e estaduais do PV com direções eleitas em Encontros Estaduais e Municipais abertos a todos os filiados, em substituição às comissões provisórias nomeadas.

5. Defendemos que todas as instâncias de direção partidária adotem composição proporcional à votação obtida pelas chapas que tenham participado em processos eleitorais internos, de modo a preservar a representação das minorias.

Acreditamos que a adoção destas posições contribuirá para organizar e motivar a militância e dotar o partido de uma orientação estratégica que o torne capaz de aproveitar o legado deixado pela campanha de Marina Silva à Presidência. O PV não pode se tornar obstáculo ao aproveitamento e à impulsão de toda essa energia mobilizadora que tem sido revelada nos mais diferentes setores da sociedade, em favor de uma nova utopia política, por um desenvolvimento includente e sustentável.

Desejamos construir um partido aberto, democrático e de luta, à altura das exigências da atual conjuntura política, capaz de responder ao desafio de mudar o destino do Brasil e do planeta. A tarefa não é trivial e exige de todos nós e do PV que atuemos com grandeza de propósitos. É o que esperamos e pelo que lutaremos.

Brasília, março de 2011.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Artigo de Marina Silva

O tempo do PV


Os quase 20 milhões de brasileiros que me deram seus votos na eleição presidencial do ano passado, possivelmente tinham em mente que até poderiam não estar elegendo, naquele momento, a presidente da República, mas, com certeza, estavam elegendo uma expectativa de mudança profunda na política e na adoção do olhar socioambiental como eixo estratégico de organização da sociedade e de estruturação do Estado. Precisamos honrar o crédito dessa expectativa, sob o risco de, eu e o PV, nos transformarmos em devedores de credibilidade, sonhos e esperança. Agora é o momento de mostrar com clareza e sinceridade que vamos saldar nossa conta.

Construir no país uma nova força política significa muito e não se pode confundir tal missão com cálculos imediatistas, nem com vaidades, nem com candidaturas. Não podemos ignorar a oportunidade que a sociedade brasileira nos deu de fazer História.

Agora é o momento de confirmar o que nos une, acima de divergências, erros e dificuldades de comunicação. E de traçar, a partir daí, a estratégia partidária que dialogue com a realidade política do país, mas como pólo inovador e não como mais uma usina de atraso. A esperança não pode ser traída pelas tentações do poder ou pela acomodação aos hábitos, aos costumes, às facilidades. Não estamos agora discutindo futuras candidaturas à Presidência da República ou a quaisquer outros cargos. Estamos discutindo de que matéria essas candidaturas serão feitas: da revitalização da essência democrática do espaço público, ou de política convencional, sem conexão com a sociedade, sem alma, sem causas.

Estamos discutindo aquilo que colocamos em perspectiva lá no início da campanha política de 2010, ou seja, a promessa de reestruturar o PV e, a partir de sua democracia interna, sua postura e seu programa, arejar a cultura política brasileira e apresentar propostas de desenvolvimento compatíveis com o que se espera no futuro, no século 21. Hoje, não há outro assunto mais importante do que esse, porque ainda não nos acertamos, nos detalhes, para seguir nessa direção. E se não é esta a direção, estaremos nos desconstituindo enquanto promessa e negando a própria gênese do PV no mundo.

Muitas vezes falei - falamos - da insatisfação da sociedade, da frustração da juventude com a incapacidade do sistema político para promover o bem-comum e para gerar dinâmicas democráticas verdadeiras em todas as esferas do processo de tomada de decisões de caráter público. Falei, falamos, dos avanços sociais, democráticos e econômicos conquistados com o processo de redemocratização do país, principalmente de FHC a Lula, mas também falei e falamos da necessidade de ir adiante na prática política e na concepção e prioridades do desenvolvimento.

O centro vital propositivo de nosso programa moldou-se a partir de três fontes poderosas de significados: a sustentabilidade, a educação e a renovação política. Não podemos abrir mão de nenhuma delas, ou gangrenamos. Em especial, se deixarmos de lado a renovação política dentro do partido, acabou-se a moral para falar de sonhos, de ética, de um mundo mais justo e responsável com o meio ambiente. Podemos até continuar falando, mas soará falso, como voz metálica de robô.

É impossível negar os problemas. É preciso termos mútua tolerância e respeito à nossa diversidade; é imprescindível termos a paciência para o desconstruir/reconstruir responsável e paulatino. Só não podemos deixar de fazer ou abrir mão do que é essencial. E essa é uma decisão coletiva a ser tomada com clareza, à luz do sol, sem nenhuma dúvida. E a clareza se constrói no cotidiano de nossas pequenas ações e intenções, debruçando-nos, dentro do partido, sobre os passos necessários para atingir aquilo que pregamos para fora: a mudança. Não há como recuar de nossa própria reforma política, e há que encará-la com a coragem e o desprendimento que faltam ao sistema como um todo.

Esse novo jeito de fazer política requer enfrentar a crise geral pela qual passam os partidos, que de instrumentos de representação e avanço social cristalizaram-se como máquinas burocráticas, amorfas e voltadas para a conquista do poder pelo poder, muitas vezes não importando os meios, e abandonando a disputa programática pela simples disputa pragmática.

Em contraposição, podemos criar um partido em rede, capaz de dialogar com os núcleos vivos da sociedade para realizar as transformações de uma forma radicalmente democrática. E a disposição do Partido Verde não pode ser menor do que iniciar, nele mesmo, esse movimento de mudança.

Temos que chegar a uma proposta que reflita esse destino histórico escolhido, apregoado e aceito e abraçado por quase 20 milhões de pessoas.

Considero esse projeto que emergiu da campanha eleitoral de 2010 como um legado. Não é uma espécie de espólio a ser dividido entre herdeiros, mas, sim, um conjunto de propostas que podem e devem ser apropriadas pela sociedade e até mesmo por outros partidos e políticos. Meu maior desejo e, creio, de muitos novos e antigos filiados que participaram ativamente dessa campanha, é que o PV discuta profundamente o significado dessa eleição e incorpore novas práticas ao seu longo e rico percurso de construção partidária.

Por isso, parecia natural que o caminho adotado na reunião da Executiva Nacional, em Brasília, fosse o da adoção inconteste do novo jeito de fazer política. Mas essa não foi a tônica. Ao contrário, a decisão da Executiva Nacional de ampliar seu mandato por até um ano e, assim, postergar qualquer mudança endógena imediata, vai na contramão do que foi dito na campanha e do compromisso feito perante o país.

A ampliação do mandato, segundo seus proponentes, é necessária para a realização de seminários, discussões e aprovação de propostas de democratização do partido. Não creio que o aprofundamento da democracia possa ser feito através da supressão, mesmo que temporária, da pouca democracia ainda existente.

No PV, a maioria das Executivas Estaduais são provisórias, designadas pelo presidente do partido. O mesmo acontece com a totalidade das Executivas Municipais, designadas pelos presidentes estaduais. Praticamente não há convenções municipais e estaduais ou eleições diretas de dirigentes. Esses mecanismos provisórios têm sido vistos como forma de proteger o partido de atitudes oportunistas e da pressão do poder econômico. Agora, eles nos isolam da sociedade, nos fragilizam no que pode nos tornar mais fortes que é a nossa coerência e não nos protegem nem de nós mesmos.

Quero participar das discussões para propor formas mais democráticas de organização partidária, juntamente com todos que estiverem de fato motivados a abrir o partido para a energia revitalizante que vem da sociedade. Lembro que a proposta de adequar o PV a esses novos tempos foi feita pela própria Executiva Nacional, quando do convite feito a mim para ingressar no partido. Ouvi do próprio presidente que a atualização programática e democratização do PV já eram um movimento em curso, uma determinação da própria direção e, acrescento agora, uma imposição da realidade, um desaguadouro natural dos 25 anos de Partido Verde no Brasil.

Por isso, o que está em jogo é se o PV vai fortalecer tudo de positivo que foi construído nesses 25 anos, afastando de vez a zona sombria que ainda envolve o partido. Se beberá da fonte do impulso criativo de milhões de jovens, homens e mulheres que voltam a se apaixonar pela política e se dispõem a colaborar com os verdes. Se vai pegar a trilha civilizatória que se abre no mundo todo, apesar das forças reacionárias de todo tipo que teimam em manter seus status quo à custa de um futuro melhor para a humanidade e para o planeta.

Estou no PV não como plataforma para candidaturas. Estou porque o respeito e vi no partido, pela sua história e pelo que conversamos antes de minha entrada, uma coragem, um arejamento, um frescor juvenil no melhor sentido de ousar mudar, de querer o aparentemente impossível. Reafirmo meu desejo de permanecer neste Partido Verde, contribuindo para o seu crescimento e qualidade política. Estou confiante que a militância verde, seus amigos e simpatizantes, além de todas as pessoas que querem o jeito novo de fazer política, contribuirão para o reencontro do PV consigo mesmo. Tenho plena convicção, como dizia Victor Hugo, de que forte é "a idéia cujo tempo chegou". Não vamos deixar o nosso tempo passar. Ele está aqui, em nossas mãos e em nossos corações.

São Paulo, 24 de março de 2011.

Marina Silva

quarta-feira, 23 de março de 2011

Artigo de Renata Camargo

PV, a meio passo do PPN


“O Partido Verde precisa se reformular para não ser mais um PPN (Partido de Porra Nenhuma). Se a tão prometida revisão do PV não sair do papel, é provável que essa falta de rumo e coerência partidária acabe afundando a legenda”

Renata Camargo*

A expressão “jogou merda no ventilador” cabe bem para o momento. Os artigos publicados pelo deputado federal Alfredo Sirkis (PV-RJ), em seu blog nos últimos dias, abrindo o jogo da confusão envolvendo grandes figurões do Partido Verde brasileiro, mostrou que o buraco da legenda, que se diz alinhada ao pensamento sustentável, é mais embaixo. Por outro lado, fez reacender um sentimento adormecido desde o último outubro: um sentimento de esperança em ver na política uma limpeza de toda essa porcaria.

Em linhas bem gerais, pode-se dizer que Sirkis, em dois textos, faz literalmente o que a expressão acima diz: ele jogou os podres do partido aos ventos e espalhou a lamaceira. A sujeira foi lançada após o grupo ligado ao presidente do PV, José Luiz Penna, no cargo desde 1999, ter reconduzido o mesmo ao posto máximo do partido, a contragosto dos “marineiros”. O fato causou a ira do seleto grupo, que pretendia postular ao cargo um indicado da ex-senadora do PV.

Nos textos, o deputado, em palavras enfáticas, apresenta as disputas internas dos verdes relacionadas, basicamente, à perpetuação no poder de um grupo e a falta de interesse em mexer no conteúdo programático do partido (que significaria a queda de alguns). Nas entrelinhas, Sirkis mostrou também a iconização de uma figura, que pode ser o “chantili” do PV e, ao mesmo tempo, o “estorvo” do partido: a própria Marina Silva.

Em janeiro de 2009, no Fórum Social Mundial de Belém, no Pará – quando ninguém falava em candidato do PV à Presidência –, Marina Silva, ao fim de suas palestras, tinha seu nome ovacionado pelo público – em sua maioria, jovens de classe média, com pensamentos e ideologias ligadas ao que acostumaram chamar de esquerda. Em coro, os jovens – às vezes, “jovens” de cabelos brancos – gritavam “Marina presidente do Brasil”.

A cena, naquele contexto, era, no mínimo, inesperada. Até mesmo para a atriz principal do episódio, a aclamação parecia pegá-la de surpresa. Com um sorriso sem graça (mas daqueles que evidenciam orgulho de si mesma), Marina deixava os locais de palestra escoltada, como uma digna atriz de Hollywood, cujos fãs, ensandecidos, rogavam por um pouco de sua atenção e, quiçá, um autógrafo.

Uma das cenas, eu me lembro bem, foi tão inusitada que chegou a ser bizarra. Na ocasião, me fez lembrar (e rir, por isso) de cenas daquele filme O guarda-costas, da década de 1990, quando Whitney Houston saía protegida pelo seu guarda-costas Kevin Costner. Marina não chegou a ser levada no colo, mas em clima similar de tumulto de fãs, teve que entrar correndo no carro, sob escolta e empurra-empurra.

Marina naquele contexto não era PV. Já era verde, já era relacionada a ambientalistas e à causa da sustentabilidade, já tinha seu nome reconhecido nacional e internacionalmente, mas não era Partido Verde, ela não se restringia à legenda, nem era colocada como o sustentáculo de uma legenda.

Naquele cenário, em que milhares de pessoas ditas esquerdistas ou simpatizantes discutiam terceiras vias para o desenvolvimento da sociedade (e, muitas vezes, sob linguagens ultrapassadas, usando em vão o nome de Marx), Marina simbolizava uma luz no fim do túnel, um caminho para fugir das dicotomias, uma via para sair da esvaziada esquerda-direita, da triste política do jogo dos interesses individuais ou de grupos dominantes. Na época, ela era ainda do PT, mas era aclamada como uma terceira via.

Foi sob o papel de terceira via, que meses depois do fórum, em outubro de 2010, pelo PV, Marina mostrou a força de uma alternativa de poder. Os 20 milhões de votos em Marina forçaram um segundo turno eleitoral e conduziram aquele pleito sem graça para um caminho do “podemos mudar”. À revelia de membros do próprio partido, Marina conseguiu, ao menos de forma macro, negociar acordos programáticos, ao invés de cair no simples troca-troca de cargos para apoio político.

Agora, com as feridas expostas do PV, o sentimento despertado pelo “fenômeno Marina” – o sentimento de uma terceira via para o país, de uma busca por um desenvolvimento do Brasil enquanto nação, com políticos e políticas públicas olhando para a mesma direção do benefício coletivo – se renova de esperança. Será que o partido que se diz bandeira de uma nova forma de pensar o mundo vai conseguir se livrar das antigas e mesquinhas amarras do poder?

O Partido Verde brasileiro, cujo verde aparece, muitas vezes, apenas no título da legenda, precisa se reformular para não ser mais um PPN (Partido de Porra Nenhuma). Com ou sem Marina, se a tão prometida revisão programática (profunda) do PV não sair do papel neste momento político, é capaz que ela não saia nunca mais, e que essa falta de rumo e de coerência partidária acabe afundando a legenda verde no Brasil.

Os 20 milhões de eleitores de Marina são heterogêneos e não podem ser classificados em uma ou duas categorias. Mas é certo que todos aqueles eleitores depositaram naquele voto o sentimento da mudança, da esperança por uma política melhor. Jogar a merda no ventilador neste momento se apresenta como uma forma de reacender a esperança por uma política mais limpa. Talvez a esperança da espera por um milagre, no qual seja possível largar a velha cartilha do poder-pelo-poder, para pensar no poder como um movimento de cidadãos.

*Formada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), Renata Camargo é especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Já atuou como repórter nos jornais Correio Braziliense, CorreioWeb e Jornal do Brasil e como assessora de imprensa na Universidade de Brasília e Embaixada da Venezuela. Trabalha no Congresso em Foco desde 2008.

sábado, 19 de março de 2011

Artigo de Fabiano Carnevale

Bem-me-quer, mal-me-quer: os impasses do Girassol e um chamado ao bom senso



Como construir as pontes entre o PV histórico e o PV que emergiu das urnas com cerca de 20 milhões de votos? Foi com essa pergunta martelando na cabeça desde outubro do ano passado que tenho definido minhas intenções dentro do partido no qual milito desde 1995 e que faço parte da direção nacional desde 2007, quando assumi o cargo de Secretário Nacional de Comunicação da Executiva Nacional. E foi com essa pergunta na cabeça que optei pelo voto de um cronograma que culminasse na Convenção Nacional em 6 meses. Mas já começo reafirmando meu pedido para que não me imputem a marca de ser do “grupo de Marina”, por ter votado pela posição defendida por ela, da mesma forma que rejeito a marca de ser do “grupo do Penna”, por ser parte do coletivo de dirigentes e da chamada “operativa” (o coletivo do Presidente e seu secretariado). Não me coloquem as amarras do debate personalista e despolitizado, pois quem conhece um pouco da minha trajetória partidária, sabe que minhas posições sempre tiveram a marca da independência e autonomia de pensamentos e ações.

Em 2007, depois de ter passado alguns anos afastado dos processos internos por discordar da intensa e cruel disputa interna que havia se estabelecido, decidi que retornaria à luta por um partido ecologista, democrático e plural, dessa vez não mais só no papel de militante mas no de dirigente nacional.

Foi com esse pensamento que apoiei entusiasticamente a entrada de Marina Silva e contribuí ativamente durante a campanha, tendo a oportunidade de conhecer, admirar e colaborar com o trabalho pessoas como Nilson Oliveira, Caio Túlio, Juliano Spyer, Marcelo Albagli, Felipe Vaz, entre outros.

Não podemos correr o risco de abrir novamente um espaço para o debate despolitizado e personalista. Recuso a visão de que se trata de uma luta entre “fisiológicos” e “ideológicos”, ou qualquer intenção de polarizar a disputa política entre “bem” e “mal”, que nós leva ao paralisante “nós” contra “eles”. Possuo em alta conta pessoas que estão em todos os lados dessa disputa. Reconheço na atual direção a competência de ter tirado o partido de uma organização amadora para o que, em 2009, recebeu Marina Silva e em 2010 abalou a polarização PT-PSDB para se transformar numa terceira via moderna e consistente. Da mesma forma que tenho em altíssima conta, os “novos-velhos” companheiros e companheiras que entraram na direção em 2009 e que possuem a mesma importância no rumo dos acontecimentos de 2010 e nas discussões do partido que queremos para a nova década.

Por isso, me recuso novamente a entrar no velho rame-rame das acusações ferinas e das palavras ácidas que só servem para desestimular e mascarar o importante debate que todos queremos, que é a construção de novos caminhos para o Partido Verde. Entendo que para se construir uma disputa política de alto nível, a primeira constatação tem que ser a de que não há anjos nem demônios nesse “éden infernal” que são os partidos políticos brasileiros. Para isso, necessitamos despersonalizar o debate e nos focar no que foi um consenso durante a reunião da última quinta-feira, que é um gradual movimento de atualização programática e reforma estatutária, nos levando a processos mais plurais e participativos dentro de todas as estruturas de poder interno, municipais, estaduais e nacional. Da mesma forma que não é aceitável como argumento de debate, a posição-ameaça de sair do PV e/ou fundação de um novo partido. As experiências recentes de partidos criados como uma forma de resgate de uma espécie de “pureza original” são suficientemente fracassadas para nos tirar desse caminho. E não deixemos, como sempre disse o Gabeira, que o fracasso nos suba à cabeça. Pois um novo partido desse tipo só surge quando o diálogo e a Política fracassam.

O que defendo é que, daqui para frente, o debate precisa sair do dissenso sobre os prazos e ser feito a partir do consenso surgido durante a reunião, que é o estabelecimento de um cronograma de seminários e congressos que culminem numa Convenção Nacional regida por processos que abram o partido para a participação inclusiva de um número expressivo de militantes qualificados (novos e antigos) que legitimem as escolhas das novas direções em todo o país.

O desafio é imenso. Nenhum partido político brasileiro possui verdadeira tradição de debates democráticos e plurais, portanto não temos onde nos espelhar. Será preciso construir algo novo, principalmente utilizando as novas tecnologias da informação como nossas aliadas. Fortalecer (técnica e politicamente) a RedePV (http://redepv.ning.com), nossa rede social interna que já conta com quase 4.000 filiados e simpatizantes de todo o país, para que ela possa se transformar em espaço privilegiado de participação e debates internos.

E como dizia a máxima da conspiração aquariana: let the sunshine in! Deixem o brilho do Sol entrar, iluminando as trevas das acusações pessoais e do debate despolitizado. Começamos agora, apenas começamos. Mas estamos mais vivos do que nunca.

Fabiano Carnevale

sexta-feira, 18 de março de 2011

Artigo de Alfredo Sirkis

O pesadelo verde

Ontem vivi o pesadelo verde. Vi o risco de desmoronar diante de meus olhos o sonho que tivemos em janeiro de 1986 quando juntamente com Gabeira, Herbert Daniel, Lucélia e um punhado de outros fundamos o PV, no teatro Clara Nunes. Nada indicava que aquela reunião da executiva nacional, na quinta-feira, 17 de março de 2011, em Brasília, iria produzir algo tão kafquiano. Era a primeira reunião desde o segundo turno das eleições. Uma direção partidária que não se reunia a cinco meses (!) o que não significa que durante esses cinco meses o poder partidário deixara de ser exercido...

Ao longo dos últimos anos instalou-se uma espécie de presidencialismo sub-reptício neste partido programaticamente parlamentarista. O presidente passou a exercer solitariamente boa parte do poder que caberia à direção do partido com o auxilio de um virtual politiburo (“a operativa”) à qual caberiam apenas tarefas burocráticas mas, como no precedente stalinista, acabou se convertendo no órgão de deliberação, de fato, no lugar de uma executiva balofa, de 58 membros, dos quais boa parte cooptada em barganhas que asseguravam o controle do PV nos estados por quadros fracos e sem representatividade social.

A campanha de Marina Silva à presidência com seus quase 20 milhões de votos e quase 20% do eleitorado deveria ter sido o grande marco de transição para um novo partido que se abre para acolher esse extraordinário movimento. O partido encontra-se diante de uma oportunidade ímpar de crescimento, renovação, incorporação de novas energias. Esboçou-se claramente durante a campanha, na sociedade brasileira, um espaço gigantesco, fascinante, no qual Marina jogou um papel catalisador. Mas dentro da nossa carapaça burocrática, cartorial e clientelista começava a se gestar um discurso bizarro, mesquinho: “afinal o fenômeno Marina não foi tão bom assim para o PV porque o partido só elegeu um deputado a mais do que em 2006”. Houve quem até comentasse, recentemente, à luz da aposentadoria de Ronaldinho: “a era dos fenômenos acabou”. Marina passou a ser vista como um “problema”. Interessante enquanto “cereja” ou “chantili”, mas estorvo quando vem aí com esse papo de democratização do PV.

Acostumado há muitos anos à presença na direção do PV de pessoas intelectual, política e teoricamente totalmente despreparadas cuja cooptação se dá na lógica de assegurar a longevidade presidencial, também me acostumei, por outro lado, a um certo bom senso de evitar romper radicalmente com os verdes históricos. Essa bizarra reação anti-Marina seria, na minha avaliação inicial, um ranger de dentes efêmero de pessoas que não entendiam a grandeza do que havia acontecido na campanha presidencial mas que, como bons companheiros, entenderiam melhor esse significado logo mais adiante. Por essa razão essas articulações e discursos a pé de ouvido não me preocuparam em demasia.

Quinta-feira tudo começou aparentemente bem. Junto com alguns outros companheiros fiz uma análise do processo eleitoral, das novas perspectivas que se abriam e sobretudo da necessidade de uma transição democrática no PV. O PV sempre se debateu com o drama de querer fugir aos modelos de grupúsculo ideológico ou de partido eleitoreiro tradicional. Constantemente viveu a dificuldade de abrir espaço de participação a um universo de simpatizantes e eleitores muito heterogêneo, com múltiplos interesses, variadas formas de se relacionar com a questão ambiental e outras bandeiras verdes. Um universo de diversificadas motivações: desde a tradicional aspiração a uma candidatura até a necessidade de apoio para enfrentar um problema de vizinhança em sua rua.

Depois de muitas experiências traumáticas com as repetidas tentativas de controle por parte de políticos fisiológicos o PV acabou se fechando no que para muitos apareceu como um “grupo de amigos”, o que, convenhamos, é melhor que um grupo de inimigos, mas não resolve o problema. Esse controle estrito pode ter sido importante para a sobrevivência do partido em seus momentos mais difíceis, nos anos 90 e 00, mas deixou de corresponder à realidade de uma nova etapa. Agora, os verdes ou crescem quantitativa e qualitativamente junto com o movimento de opinião pública que suscitaram ou estagnam e entram em decadência.

A hora de começar a mudar é agora, depois daquele extraordinário resultado de 2010. Cabe a construção de um partido-rede. Cada vez mais em todo o mundo se evidenciam as grandes possibilidades de mobilização e participação política com o uso da internet e das redes sociais. O PV deve criar ou adaptar uma rede social para se relacionar com seus filiados de forma participativa e interativa integrando-os aos processos de decisão, inclusive para a eleição das suas direções municipais, estaduais e nacional. Isso passa por essa filtragem --coerente com a noção de “partido de quadros” e não “partido de massas” que o PV se propôs a construir-- por filiados que demonstrem conhecer minimamente o Manifesto e o Programa verdes e por uma certificação digital para efeito de participação nos processos de tomadas de decisões. Mas devemos caminhar, gradualmente, para que as decisões deixem de ser de meia dúzia de dirigentes apenas, mas de milhares, potencialmente milhões de verdes em rede. Isso não é um processo imediato mas precisaria começar a ser construído a partir de agora. O PV não pode ser visto senão como instrumento de uma causa e não a causa em si. Não pode ser simplesmente uma “coisa nossa” cuja tradução em italiano prefiro não mencionar aqui...

Propus um calendário: 1) a correção imediata de certas graves anomalias regionais como as de alguns estados amazônicos onde tivemos dirigentes em conluio com oligarquias locais do tipo Cassol ou Amazonino Mendes (!), boicote à campanha de Marina e um resultado eleitoral nulo 2) uma rodada de seminários nos estados e um nacional sobre O Partido Verde dos Anos 10, 3) um Congresso de Atualização Programática incorporando o trabalho programático feito durante a campanha, inclusive a Agenda Verde do segundo turno, ao programa do partido 4) e, finalmente, em tempo hábil para a reta final do prazo de filiações para as eleições de 2012, nossa Convenção Nacional para eleger o novo Conselho que por sua vez elegeria uma nova executiva e esta seus cargos, inclusive a presidência.

Todos, aparentemente, concordaram com essa linha de procedimento e, também, com a noção de que nos últimos anos o partido sofrera uma deriva presidencialista anômala. Marco Mroz, Sergio Xavier, Mauricio Bruzadim e, finalmente, a própria Marina falaram no mesmo sentido abrindo para o PV a perspectiva de assimilar os frutos da campanha e tomar o caminho de uma transição democrática que, na minha opinião, deveria resultar também numa transição geracional logo mais. Penso que o partido não deve ser conduzido indefinidamente por sessentões e cinquentões. A campanha revelou uma juventude maravilhosa que pode em pouco tempo receber o bastão.

Todos pareciam concordar. Eu estava tranqüilo, relaxado, feliz com o nosso partido que parecia acordar da letargia e dos bizarros rumores dos longos cinco meses pós-eleitorais. De repente alguém me avisou que o deputado José Sarney Filho ia propor uma pura e simples prorrogação, por um ano, do mandato daquela executiva, e, consequentemente --é claro-- do presidente José Luiz Penna que está no seu décimo segundo ano como presidente. Minha indignação foi na medida da minha surpresa. Não me passara pela cabeça que tendo, aparentemente, maioria no conselho e provavelmente da convenção eles chegariam ao extremo da cara-de-pau de propor prorrogação de mandato apenas para poder assegura-se ainda mais de que a coisa não lhes fugiria das mãos. Que manteriam por mais um ano o poderzinho para poder, em seguida, se perpetuar no partido, que assim insiste em permanecer alheio ao movimento da sociedade.

Argumentamos que realizar uma convenção em ano eleitoral seria uma temeridade. Surgirá certamente um bom argumento para adia-la mais uma vez, para não dividir o partido diante das eleições. Até lá já terão aderido ao governo e assegurado o controle completo do partido mediante os métodos tradicionais da política brasileira. Não reagi da maneira mais conveniente. Bater boca nunca é o melhor caminho, mas tem situações onde engolir sapo dá vômito, e se não der, dá câncer. O fato é que “estourei”. Logo mais surgiu a brilhante idéia de prorrogar por dois anos! Seria apenas o bode na sala? Começo a acreditar que a palavra de ordem Penna Forever, que vi num cartaz em São Paulo há tempos, não é piada não. É sério: caminhamos para uma presidência vitalícia??? A quebra de confiança se instalou entre nós.

Marina ficou perplexa ainda que não propriamente surpresa. A animosidade da burocracia no partido contra ela era algo que ela vinha reparando há tempos e constantemente lhe garantindo que exagerava. Naquela hora percebi que não. Digamos que, na melhor das hipóteses, criaram por ela uma relação amor-ódio. Amor pelo que de prestígio indireto pode lhes aportar. Ódio quando sua visão de transição democrática é vista como ameaça a seus poderzinhos...

O fato é que aprovaram a moção de Sarney Filho por 29 votos a 16 com base em acordos com as clientelas internas que dominam muitos estados mantendo o partido na sua condição de vergonhosa estagnação, garantias de cargos e também o medo que existe em relação a qualquer mudança mais profunda no pequeno partido que somos, naquela nossa "coisa nossa". Dirão que estou exagerando já que “quase tudo” de minha proposta foi aprovado e que é apenas uma questão de prazo: em vez de fazer a convenção em julho de 2011 fazer até março de 2012.

Mas é uma diferença muito grande sempre que tivermos uma convencão já em cima ou depois do prazo fatal de filiação em final de setembro de 2011. Mas a questão central não foi aquela decisão, em si, mas tudo que ela sinaliza. Sinaliza a disposição de manter um presidencialismo com aparente vocação de, pelo andar da carruagem e sem piada, tornar-se vitalício. Significa a disposição de Penna e Sarney de romper com o setor mais histórico e ideológico dos verdes e afastar Marina --a não ser que sirvamos simplesmente de “chantili”, como ela define--, mediante sucessivas rasteiras e levar o partido para o governo em conluio com o novo partido de Kassab com o qual eles têm tido muitas reuniões. O sentido mais estratégico de tudo isso é anular os verdes como terceira força, desconstruir 20 milhões de votos, debandar 20% do eleitorado.

O que nos resta? Digo aqui claramente que não admito o presidencialismo vitalício, o pensar pequeno, o fechar-se em um pequeno grupo, o não abrir-se ao universo que emergiu na sociedade brasileira na campanha de Marina. Vamos esgotar todas as possibilidades de diálogo, discussão e esforço fraterno para fazer o PV recuperar seu juizo, seu ideário, seu idealismo, sua identidade como instrumento, não como finalidade em si mesmo. Diz o nosso Manifesto: O Partido Verde se define como um movimento de cidadãos e não de políticos profissionais ou homens de aparelho. Considera que o povo brasileiro está descontente com a chamada "classe política" e almeja um tipo de representação e ação mais eficiente, desinteressada e moderna. O povo brasileiro está cansado de uma elite fisiológica, que vê na política não uma forma de representação das aspirações dos cidadãos, mas uma carreira profissional, um caminho de enriquecimento e poder individual.

Há vinte cinco anos redigi este texto, aprovado pelo coletivo verde que criou o PV, e continuo fiel a ele. Se, eventualmente, tivermos que começar tudo de novo o faremos. Não seremos, como garante Marina, “uma fraude”, um discurso falso, um consenso oco, um chantili, muito menos uma confraria de hipócritas.

Alfredo Sirkis, deputado federal (PV/RJ)