sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Artigo de Marina Silva

Tempo da travessia


Faz um ano que fomos às urnas escolher presidente, governadores, senadores e deputados. Ainda hoje repercute o patamar de votação -quase 20 milhões de votos, levando as eleições para o segundo turno- que eu e o empresário ambientalista Guilherme Leal conseguimos, representando um projeto de desenvolvimento sustentável para o país.

Venho, assim, com justa razão, suscitando análises, criticas e avaliações quanto a possíveis desdobramentos de meu papel no intrincado cenário de nossa realidade política.

Em recente palestra no Rio de Janeiro, encontrei o deputado do PV francês Daniel Cohn-Bendit. Ele referiu-se à baixa expectativa, no passado, de que ocorressem fatos históricos que levaram ao fim estruturas e sistemas que pareciam inamovíveis, como a queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria ou a existência da Comunidade Europeia. E, no presente, quem imaginaria a queda de algumas ditaduras no mundo árabe, onde o Egito é o exemplo mais eloquente?

Dialogando com Daniel, permiti-me ser mais uma analista de meu próprio caso e lembrei que, até meados de 2008, ninguém, nem eu mesma, seria capaz de preconizar o que aconteceria nas eleições de 2010, ou seja, uma candidatura a presidente, com plataforma de sustentabilidade socioambiental, surpreender num cenário político em que o script eleitoral havia sido minuciosamente ensaiado para ser apenas uma espécie de plebiscito entre as principais forças políticas, PT e PSDB, que passaram a ocupar a cena de nossa crônica e empobrecedora polarização partidária.

Sem pretensão de sair de meu incômodo lugar de objeto de análise para o talvez menos incômodo lugar de analista, ouso dizer aos que supõem prever os fados da política só com base em correlações de dados pretéritos ou em tendências que sejam bem-vindos à era do imponderável, do imprevisível. Quem poderia afirmar, há 10 ou 15 anos, que os países ricos perderiam sua aura de inexpugnáveis e teriam que lidar abertamente com seus erros, tendo que enquadrar-se nas fórmulas e receitas de "sucesso" que nos ensinaram e prescreveram?

Diante de tantas incertezas dos outros e minhas, foi em Condeúba (BA) que encontrei na poesia de Fernando Pessoa uma excelente metáfora para minhas buscas de respostas.

Estava lá para o encerramento da Campanha da Fraternidade e, graças ao refinamento do padre Juliano, conheci estes versos de Pessoa: "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos".

Marina Silva

Folha de São Paulo, 07/10/2011

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Sobre o Movimento por uma Nova Política

Um diálogo de longo alcance com Marina Silva

Para onde vai Marina Silva? O que ela pensa? O que significa este seu movimento por uma nova política? Que sinais, símbolos e gestos são estes que ela movimenta e que chegam a embaralhar mentes habituadas a raciocinar sobre um plano cartesiano, mas que ao mesmo tempo lhe deram 20 milhões de votos? O que existe de “sólido” – se é que existe ou deveria existir -, em toda a liquidez de sua linguagem, liquidez que tende a nos deixar mesmo com impaciência diante de tanta imprevisibilidade?

Foi atrás de respostas a perguntas como estas que alguns dirigentes do PSOL – sem delegação partidária -, reunimo-nos com Marina Silva no escritório onde está sendo construído o Instituto Marina Silva, em Brasília, no último dia 13 de setembro. Estavam lá Martiniano Cavalcante, membro do Diretório Nacional e delegado pessoal de Heloisa Helena que por motivos pessoais não pode estar presente; o deputado do PSOL-RJ Jean Wyllys; o senador do PSOL-AP Randolfe Rodrigues; o presidente do PSOL-RJ e membro da Executiva Nacional do PSOL, Jefferson Moura; além deste que escreve este texto, Edilson Silva, presidente do PSOL-PE e também membro da Executiva Nacional. O destino do movimento que Marina representa importa e muito aos destinos da esquerda brasileira, daí nossa reunião exploratória.

Marina nos recebeu com o abraço generoso dos povos da floresta e com o seu firme aperto de mão. A generosidade e a firmeza não estariam somente nestes gestos, mas nas quase quatro horas em que se dedicou a nós, para conversarmos sobre política, Brasil, mundo, civilização, psicanálise, socialismo, povo e vários outros temas. Paciente, com um jeito sempre professoral – quase sempre concluindo seu raciocínio com uma pergunta afirmativa - certo?! Correto?! -, e sempre muito humilde, explicou em pormenores o que pensa sobre política, sobre o mundo, as revisões e sínteses que vem fazendo em suas convicções políticas.

Ao final de sua primeira exposição, já ficou suficientemente claro – pelo menos para mim, que estávamos realmente diante de uma figura especial, diferente, cujo raciocínio se dedica com muito afinco a interpretar os sinais – que ela chama de desvios -, vindos da periferia do sistema, que ela chama de borda da sociedade. Já havia conversado, por duas vezes, um pouco mais de perto com Marina, mas não havia ainda capturado esta dimensão de seu ser retórico. Ou talvez ela tenha tirado conclusões contundentes de sua saída do PV e agora consiga as expor da forma mais completa, como nos fez perceber.

A líder do Movimento Por Uma Nova Política não se deixa entabular nas funções lineares da velha política e nem na dialética vulgar. Às vezes tem-se a impressão que ela alterna sua visão entre um telescópio, de tão longe que enxerga, e um microscópio, tamanha a penetração que busca para interpretar os desvios vindos da borda. Uma mistura rara de fé e ética cristãs, psicanálise, resquícios de um marxismo católico militante e um profundo compromisso com a sustentabilidade ambiental.

No meio deste turbilhão de difícil apreensão, consegue-se capturar alguns elementos “sólidos” e mesmo salientes que dão base ao seu pensamento estratégico. Marina Silva não acredita mais no monopólio da democracia representativa e mesmo na participativa, ou semi-direta, na gestão do Estado. Sua conclusão não se dá apenas pela visível falência do regime democrático tradicional em si, mas por que a sociedade não só não acredita mais nesta democracia, como já busca ela mesma outras formas de participação democrática – que Marina chama de “aplicativos” para a democracia. A internet, com suas múltiplas possibilidades, é parte deste reprocessamento estrutural, em que, mais que tudo, os partidos devem ser reinventados, pois eles têm papel importante na vida política.

Segundo concluí, Marina não vê futuro para os partidos nos moldes atuais, e nisto concordo com ela. A fúria anti-partidária que varre o mundo é parte dos sinais/desvios que emitem estas mensagens. Em relação a isto, sua saída do PV foi um gesto radical – atirou-se num precipício escuro, ou não -, que desenvolveu uma musculatura flagrantemente exposta na dimensão do ethos de seu discurso. Uma aula de coerência.

Do “alto” de nosso pragmatismo programático, duas perguntas não poderiam deixar de ser feitas – visto que em relação às questões ambientais a biografia de Marina fala por si: que fazer com a armadilha da dívida pública, que consome quase metade do orçamento do Estado brasileiro? - neste ponto, eu em particular critico muito o silêncio de Marina. E em 2014, o que esperar de Marina Silva? Ela deixou claro que entendeu a primeira pergunta mais como uma questão de natureza ideológica, estabelecendo que não se pode combater a inflação basicamente com política de juros e nos fez pensar que é preciso achar-se uma equação que equilibre as transformações necessárias na política econômica com possibilidades reais de causar estas transformações, e que ela ainda não tinha respostas para isto, logo, seguia sem ser conclusiva em relação ao tema. Se for assim, é bastante razoável. Sobre 2014, óbvio que ela não faria outra afirmação que não deixar todos os cenários abertos, colocando que as movimentações futuras é que dirão os passos posteriores às movimentações futuras.

Sobre os movimentos práticos da iniciativa que comanda, tudo é muito mais concreto. Quer atrair gente de todas as colorações que queiram desenvolver ações honestas em torno da plataforma do movimento, de Pedro Simon a Heloisa Helena. Sobre as eleições 2012, a idéia é contribuir com todos os atores que estejam disputando eleições e que dialoguem com esta plataforma.

Encerrada a reunião, e após um intervalo de poucas horas, encontramo-nos todos de novo num dos auditórios da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio. Lá estavam o deputado federal Reguffe (PDT-DF), os senadores Pedro Taques (PDT–MT); Cristovam Buarque (PDT-DF); Eduardo Suplicy (PT-SP); Walter Feldmann, deputado federal paulista que deixou o PSDB. Do PSOL, os parlamentares presentes eram o senador Randolfe e o deputado Jean Wyllys.

Ao final da maratona, muitas imprevisibilidades ainda persistiam, mas algumas sinalizações estavam muito claras: as movimentações de Marina não são superficiais e efêmeras, mas dotadas de um navegador de longo alcance e com norte republicano, portanto de esquerda, ou no mínimo progressista; Marina pode até não ser “agraciada” com o título de ecossocialista – talvez ela nem queira este título, mas está muitíssimo longe de ser caracterizada como ecocapitalista; o Movimento pela nova política que Marina impulsiona tem uma inequívoca força magnética para setores mais à esquerda do espectro político do país, assim como da sociedade.

Trata-se de uma movimento, portanto, que merece o aplauso da sociedade e das forças da esquerda brasileira, que deve interagir com ele, intervir sobre ele, buscando produzir aí sínteses que ampliem as possibilidades de aprofundamento da democracia brasileira, única forma de construirmos uma cultura política de massas que desidrate com efetividade a corrupção, que respeite o meio ambiente e produza alternativas para a suposta crise fiscal que vive o Estado brasileiro.

Não foi, logo, discutido criação de partidos ou coisas pelo estilo. Discutimos os rumos da democracia, do Brasil, da civilização. Esta é a pauta que Marina Silva está propondo.

Edilson Silva
Presidente do PSOL-PE, membro da Executiva Nacional do PSOL e do Movimento Ecossocialista de PE.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Artigo de Marina Silva - Política 2.0

Política 2.0


Nem o clima de deserto que castigou Brasília no Sete de Setembro intimidou os cerca de 25 mil manifestantes da Marcha contra a Corrupção, em pleno centro do poder.

A despeito do calor, a maioria foi de preto, para expressar seu luto diante da corrupção e da impunidade.

Gente muito jovem, em grande parte, foi dizer aos Poderes da República que não aceita a complacência e o corporativismo com que corruptos costumam ser tratados. É gente consciente, cidadã, que com razão considera aberrante o desfecho do caso da deputada filmada recebendo dinheiro sujo e absolvida pela Câmara, em votação secreta, acobertada do público.

Quem foi às ruas também não se conforma com o pragmatismo raso, que usa a necessidade de governabilidade como álibi eterno para políticos de todos os partidos. O movimento que pôs tanta gente no centro de Brasília não é espontâneo -rótulo enganador que sugere certa ingenuidade.

Houve a iniciativa de quem se dispõe a não aceitar o lugar de mero espectador da política. Pipocou nas redes sociais, foi autoconvocatório. Barrou quem queria entrar com bandeiras de partidos. Pacífico, livre, não atacou o governo, mas disse o que o revolta.

Agora desafia análises apressadas que, usando categorias e modelos mentais insuficientes para entender o presente, partem para rotular e desqualificar. "É de direita", "é moralista", "é apolítico".

Talvez porque não estavam lá, à frente, faturando para seu grupo a sempre forte presença da população na rua, assustadora para quem, no poder ou na periferia dele, está pronto a servi-lo a qualquer preço. Falam como coro grego que vê sua função de intermediário esvair-se, pois a própria plateia resolve assumir a ação.

O povo apareceu, como gritaram em Brasília. Que é um movimento político, não há dúvida, mas não nos termos partidários ou do maniqueísmo da disputa entre esquerda/direita, progressista/conservador. No mínimo, as passeatas de Brasília e de outras cidades, mesmo que em menor número, mostraram que é possível se mobilizar em torno de um alinhamento ético e da busca por direitos e cidadania.

Mostram ainda que as novas metodologias e formas de comunicação funcionam e podem crescer em força, capacidade de agregação e na prospecção de novos aplicativos democráticos.

É a borda caminhando para o centro, o seu lugar legítimo.

Isso deve incomodar muito quem pensa que as questões do poder não são da conta do povo. Como alguém postou no Twitter: "O "basta à corrupção" de hoje, fruto de uma espécie de autoconvocação, pode ser o embrião de um histórico movimento de cidadania".

Esperamos que sim, embora não saibamos ainda no que vai dar. Mas certamente vem por aí a política 2.0.

MARINA SILVA

Folha de São Paulo, 09/09/2011

sábado, 3 de setembro de 2011

Proposta de Programa para o Movimento

21 propostas por uma nova forma de fazer política

1. Defender e experimentar uma democracia radical e de alta intensidade.

2. Defender uma cultura de paz, a não-violência ativa e adotar formas negociadas de gestão de conflitos.

3. Defender um modelo de desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável.

4. Defender o desenvolvimento de uma economia verde, com investimentos, pesquisa, inovação e geração de novos empregos em atividades sustentáveis.

5. Defender os empregos, o poder de compra dos salários, o acesso à renda mínima, o direito ao consumo responsável e consciente, como forma de manutenção de um mercado interno em crescimento.

6. Defender a inclusão produtiva como principal forma de combate à pobreza, pela via do empreendedorismo, do microcrédito assistido, do fortalecimento da economia solidária e do comércio justo.

7. Defender políticas públicas de fortalecimento das micro e pequenas empresas, gerando mais postos de trabalho e distribuindo melhor a riqueza.

8. Defender o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, com ênfase nas tecnologias sociais, buscando fortalecer uma industrialização com forte conteúdo nacional e a transição da produção de bens primários para a produção de bens de alto valor agregado.

9. Defender o desenvolvimento da economia criativa, fortalecendo as atividades econômicas baseadas na produção de bens culturais e simbólicos.

10. Defender uma reforma fiscal baseada na adoção de um imposto único e uma reforma trabalhista baseada na desoneração dos contratos de trabalho, combatendo a informalidade e a sonegação de impostos.

11. Defender o controle social sobre o Estado, a transparência e visibilidade na gestão dos recursos públicos e combater todas as formas de corrupção.

12. Defender a expansão do uso de energias limpas, a eficiência energética, a transição para uma sociedade menos dependente dos combustíveis fósseis e combater o aquecimento global.

13. Defender o cancelamento do uso da energia nuclear.

14. Defender a preservação das florestas e o uso sustentável dos recursos florestais.

15. Defender o uso sustentável dos recursos hídricos.

16. Defender a agroecologia, a segurança alimentar, a produção sustentável de alimentos de qualidade.

17. Defender o direito à moradia digna, com qualidade de vida, segurança e acesso aos serviços públicos essenciais.

18. Defender o direito à mobilidade urbana, com respeito prioritário aos pedestres e com incentivo ao transporte coletivo e às formas não-poluentes de locomoção, em detrimento dos veículos automotivos de passeio.

19. Defender o acesso a serviços públicos de educação e saúde, com qualidade, como direitos fundamentais de cidadania.

20. Defender a liberdade de expressão, organização, participação e combater todas as formas de discriminação e repressão tais como a censura, o racismo, o machismo, a homofobia, a intolerância religiosa e comportamentos similares.

21. Defender os grupos sociais mais vulneráveis e historicamente submetidos a formas de dominação, tais como: crianças, idosos, mulheres, negros, indígenas, homossexuais, portadores de necessidades especiais, pessoas em condição de pobreza, dentre outros.

Juarez de Paula

Movimento por uma Nova Política

A identidade do Movimento

1. O Movimento é livre, aberto, autônomo e democrático, sem vínculos partidários ou religiosos.

2. O Movimento é constituído por pessoas, onde cada um fala por si.

3. O Movimento acolhe as diferenças e a diversidade, buscando fazer a gestão de conflitos pela via do diálogo, da negociação e da progressiva construção de consensos, respeitando o direito à divergência.

4. O Movimento é uma experiência de um novo modo de fazer política: horizontal, participativo, dialógico, democrático, em rede.

5. O Movimento é vivo, em permanente mutação e será o resultado da interação entre os seus integrantes.

Juarez de Paula

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Saindo do PV - DF

Dirigentes e filiados do PV DF deixam o partido em busca da nova política


Em 2009 alguns de nós se filiaram ao Partido Verde inspirados pela mobilização que convidou Marina Silva a liderar uma campanha presidencial junto com os Verdes. Outros, já filiados anteriormente, renovaram as energias com essa perspectiva. Acreditamos, naquele momento, que viríamos a fazer parte de um processo de construção coletiva de coerência programática e ideológica, do qual tanto se orgulham os Verdes no mundo todo. A candidatura de Marina Silva inspirou centenas de pessoas a se juntarem ao PV e tomarem as ruas fazendo a diferença na campanha presidencial.

As eleições mostraram que há um forte anseio de participação, principalmente dos jovens, além do desejo de mudar o modelo político hoje vigente visando ética e sustentabilidade na política. As eleições legaram também ao Partido Verde a oportunidade de se firmar no cenário nacional como a alternativa partidária mais comprometida com tais mudanças.

Passadas as eleições, entretanto, as direções nacional e distrital do Partido Verde fizeram sua opção por cerrarem fileiras na velha política. Ao não permitir a construção de processos internos democráticos, temendo a renovação, a maioria dos dirigentes do PV sinaliza que não há intenção de acompanhar o movimento nacional que afirmou nas urnas que deseja uma nova forma de fazer política. A burocracia partidária do PV não está preocupada em manter coerência entre discurso e prática.

O Partido Verde abriu mão de realizar sua transição democrática, consolidando suas estruturas organizacionais com processos democráticos para escolha dos Conselhos e das Comissões Executivas permanentes em todos os níveis. Não se pode querer ser o partido da nova política com a fragilidade de estruturas provisórias, alteradas a qualquer tempo, que geram insegurança para todos os dirigentes e filiados e dificultam a construção de ideais coletivos.

Sendo assim, depois de mais de um ano sem qualquer reunião da executiva do PV no Distrito Federal, tendo visto o partido assumir, sem qualquer debate interno ou proposta programática, espaços relevantes de definição de políticas públicas socioambientais no governo do Distrito Federal, constatamos que não há nem de longe a possibilidade de construir o partido aberto, democrático e de luta que desejamos. Permanecer no PV seria abrir mão de atuar politicamente à altura das exigências da atual conjuntura política. Para responder ao desafio de mudar o destino do Brasil e do planeta é preciso atuar com grandeza de propósitos, e isso é exatamente o que falta hoje aos dirigentes do Partido Verde.

Toda crise esconde uma oportunidade de crescimento. Lamentavelmente não vemos na direção do PV sequer a disposição para enfrentar esse impasse com vistas ao crescimento do próprio partido. Desta forma, nós, militantes por uma nova forma de fazer política que se coaduna com os desafios do desenvolvimento sustentável, não vemos outro caminho senão virar a página da história que nos levou ao PV. Mantemos assim a coerência e o sentido do que nos uniu que manteremos vivo em nossa militância política.

Adolpho Fuíca
Adriana Ramos
Alexandre Pimentel
André Lima
Carlos Inácio Prates
Claudio Pádua
Felipe Varella
Fernando Cássio Costa
Giovani Iemini
Henrique Moraes Ziller
João Francisco Araújo Maia
João Suender
Juarez de Paula
Pedro Ivo Batista
Larissa Barros
Marcelo Lima Costa
Pedro Piccolo Contesini
Rafael Peixoto
Raissa Rossiter
Ramaiana Ribeiro
Suzana Pádua
Wellington Almeida

Saindo do PV nacional

CARTA DE DESFILIAÇÃO À DIREÇÃO DO PARTIDO VERDE


Chegou a hora de acreditar que vale a pena, juntos, criarmos um grande movimento para que o Brasil vá além e coloque em prática tudo aquilo que a sociedade aprendeu nas últimas décadas, experimentando a convivência na diversidade, a invenção de novas maneiras de resolver problemas solidariamente, indo à luta à margem [das estruturas burocráticas] do Estado para defender direitos, agindo em rede, expandindo e agregando conhecimento sobre novas formas de fazer, produzir, gerar riquezas sem privilégios e sem destruição do incomparável patrimônio natural brasileiro.

Esse texto, que abre o documento “Juntos pelo Brasil que queremos – diretrizes para o programa de governo” expressa a motivação do grupo de pessoas que assina esta carta ao ingressar no Partido Verde, e que tinha na candidatura de Marina Silva à Presidência da República a oportunidade de ampliar essas idéias e dialogar com a sociedade.

Participamos, ao longo dos últimos 22 meses, da vida partidária com a expectativa de colaborarmos para colocar em prática os três compromissos que marcaram a entrada da Marina no partido: a candidatura própria à Presidência da República, a revisão programática e a reestruturação estatutária.

Apesar das dificuldades próprias de uma candidatura dessa envergadura, e algumas geradas por resistências internas a um projeto efetivamente autônomo, realizamos uma campanha ampla, que envolveu a militância do partido e a colaboração de inúmeras pessoas da sociedade que encontraram na candidatura um meio de expressão e de representação de desejos e esperança.

Depois de um resultado expressivo na eleição, entendíamos que era o momento de aproximarmos ainda mais o PV desse legado, incorporando na prática do partido propostas como uma nova forma de fazer política, o diálogo horizontal com a sociedade através de redes sociais - digitais ou não, a sustentabilidade como valor central para um projeto de desenvolvimento e muitas outras que receberam ampla adesão social.

Chegamos nesse momento em que reconhecemos que não é possível trilhar esse caminho dentro do PV. As resistências internas, que durante a campanha eram veladas e pontuais, expressaram-se claramente na sua totalidade. A direção do partido, em sua maioria, disse não à democratização de suas estruturas institucionais, ao diálogo com a sociedade e a um projeto autônomo de construção partidária.

Acreditamos que essas propostas não podem ficar enclausuradas em estruturas arcaicas de poder. Queremos resgatar as motivações originais desse projeto, agora participando da construção de uma nova política efetivamente democrática, ética, ecológica, participativa, inovadora e conectada com os desafios e oportunidades que o Século XXI nos impõe.

Pelas razões acima expostas, comunicamos à direção nacional do PV nossa desfiliação, juntamente com Marina Silva. Aos milhares de militantes do partido, estaremos sempre juntos na construção de um Brasil justo e sustentável.

Adriana Ramos

Bazileu Alves Margarido Neto

João Paulo Capobianco

José Paulo Teixeira

Juarez de Paula

Guilherme Leal

Luciano Zica

Marcos Novaes

Pedro Ivo Batista

Ricardo Young

Roberto Kishinami

Rubens Gomes

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ranking Global de Competitividade

Brasil cai para 44º em competitividade



País perde 6 posições em ranking que avalia ambiente de negócios; baixa produtividade e altos custos pesam

Infraestrutura ruim e ineficiência do governo são pontos fracos; EUA e Hong Kong lideram lista de 59 países

NATÁLIA PAIVA
DE SÃO PAULO

Baixa produtividade e alto custo de vida se somaram a velhos problemas (como sobrecarga tributária e infraestrutura ruim) e derrubaram a posição do Brasil no ranking global de competitividade.

Em um ano, o Brasil perdeu seis posições -só Grécia e África do Sul perderam mais- e foi passado por México, Peru, Itália, Filipinas, Turquia e Emirados Árabes. É o quarto da América Latina, atrás também do Chile.

A oitava economia mundial ocupa o 44º lugar entre 59 países. Os EUA voltaram ao topo, dividido com Hong Kong (em 2010, haviam perdido para Cingapura).

O estudo, que mede o ambiente de negócios, foi feito pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Administração, da Suíça, em parceria no Brasil com a Fundação Dom Cabral. Ele considera dados oficiais e entrevistas com empresários.

O Brasil se destacou positivamente em dois subfatores. O primeiro foi Mercado de Trabalho (geração de empregos), em que saiu do 33º para o 9º lugar, bem longe do 44º de 2007. O outro foi Investimento Internacional (do 42º para o 19ª), atraído pelo bom desempenho econômico do país e por seus juros altos.

"Mas os empregos gerados são em setores de baixa agregação de valor, que vão gerar pouco em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). E os investimentos que entraram foram para fazer oferta ao mercado doméstico ou para ganhos financeiros, não em infraestrutura ou indústria de alto valor", afirma Carlos Arruda, da Dom Cabral.

Foi no subfator Produtividade e Eficiência que o Brasil mais caiu: do 28º para o 52º lugar, voltando ao patamar de 2007 (53º). No estudo, a produtividade considera o reflexo da alta do número de trabalhadores sobre o PIB.


CÂMBIO

Para Arruda, essa discrepância, aliada a um câmbio desfavorável à indústria, pode levar a um círculo vicioso.

A massa desqualificada consome cada vez mais -e com mais crédito a juros altos disponível.

"Com real valorizado e salário alto, fica muito caro produzir para o mercado doméstico; a importação é mais fácil. Daí haver fabricantes preferindo importar." À indústria brasileira restaria o nicho de baixo valor.

Para José Márcio Camargo, professor da PUC-RJ, uma força de trabalho pouco educada invariavelmente leva à baixa produtividade.

Ou seja, "se quiser ter um trabalho com elevado nível de produtividade, é preciso investir pesadamente em educação".

"Você incorpora trabalhador com baixa produtividade e tem de pagar muito porque o mercado está superaquecido. É a principal razão no trabalho pela qual o Brasil não pode crescer mais que 4,5% no longo prazo", afirma.

Além de produtividade e preço (custo de vida alto), as principais fraquezas seguem as mesmas: falta de eficiência do governo em todas as esferas (55ª posição) e infraestrutura ruim (51ª), segmento que inclui logística, tecnologia, ciência, educação, saúde e ambiente. A diferença entre a eficiência privada e a governamental é maior no Brasil: 26 posições.

Leis defasadas, carga tributária alta e burocracia excessiva seguem como travas.

"Coisas clássicas, que qualquer sistema tributário já resolveu há anos, nossas empresas ainda enfrentam. É mais capital de giro, custo e incerteza jurídica", afirma José Augusto Fernandes, diretor-executivo da CNI.

O Ministério do Desenvolvimento não comentou o estudo. Na semana passada, o governo criou a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, presidida pelo empresário Jorge Gerdau.

Folha de São Paulo, 18/05/2011
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me1805201103.htm

domingo, 1 de maio de 2011

Artigo de Marina Silva

Mais tempo para as florestas

É extremamente preocupante a forma como está sendo conduzido o debate em torno da atualização da principal lei que protege nossas florestas e nossa biodiversidade: o Código Florestal.

O que tem pautado a ação dos que querem modificar a legislação às pressas parece limitar-se ao interesse imediato, que não leva em conta questões estratégicas, quando sabemos que essa discussão diz respeito à vida de todos nós: as florestas prestam um serviço inestimável de proteção, regulação climática e hídrica, essencial para nossa economia e para a produção agrícola e de energia.

As perdas florestais avançam assustadoramente em todo o mundo, inclusive no Brasil. Já perdemos 93% da mata atlântica, quase metade do cerrado e da caatinga e quase 20% da Amazônia. Ao mesmo tempo, temos mais de 60 milhões de hectares de terras agrícolas que foram degradadas e estão abandonadas, como resultado de um modelo agrícola que precisa mudar.

O cerne das mudanças deve ser o de melhorar a proteção das florestas que nos restam, de criar políticas de incentivo que promovam o desenvolvimento do setor agrícola e florestal, gerando emprego e renda em uma escala muito maior.

Deve ser o de discutir os ajustes necessários para que os produtores rurais possam superar os passivos ambientais e para que nossa agricultura dê um salto de qualidade e produtividade, com sustentabilidade. É a nossa riqueza natural que nos permite ser um dos campeões mundiais de produção agrícola.

Não usar com sabedoria esses recursos é matar a galinha dos ovos de ouro. Quando discutimos o destino das florestas, estamos projetando o Brasil que queremos. Estamos definindo o papel que o país terá no mundo, o tipo de economia e qualidade ambiental que teremos.

Por isso, é absurdo opor produtores rurais e ambientalistas, produção agrícola e meio ambiente.

Mas o absurdo existe e considero que é na política que está o nosso maior problema. É na qualidade do debate e na forma como ele está sendo conduzido na Câmara dos Deputados. Eivado de preconceitos e falsas alegações de que quem defende as florestas estaria a serviço de interesses internacionais, ou, pior, de que a preservação implicaria a diminuição da produção de alimentos e que, com isso, haveria aumento de preços.

Isso nos faz lembrar dos momentos que antecederam a abolição da escravatura no país, quando parte dos produtores rurais bradava que sem os escravos o Brasil rural estaria falido e não haveria quem produzisse comida para nossas mesas.

Por isso, proponho que o Executivo assuma o protagonismo dessa discussão, empenhando-se em construir uma proposta bem estruturada, que atenda aos interesses de toda a sociedade, considerando o que dizem os cientistas brasileiros, com o fortalecimento da governança pública e a criação dos incentivos para o cumprimento da legislação ambiental.

Proponho que a presidente Dilma faça um chamamento à classe política e à nação para que, nos próximos meses, discutamos uma política nacional para a gestão sustentável de nossas florestas e de nossos recursos naturais.

Para tanto, poderíamos adiar o prazo de averbação da reserva legal, previsto para 11 de junho, de forma que tenhamos um ambiente menos tensionado para o diálogo.

Cabe ao governo a responsabilidade de colocar o país no caminho da sustentabilidade e impedir o desmonte da legislação ambiental.

Nos últimos 16 anos, atravessamos dois governos com muitas tentativas de mudanças na legislação.

Nesse período, a sociedade impediu que houvesse um retrocesso.

Agora, cabe a uma mulher a tarefa de promover o encontro e a mediação para a superação do impasse, para a construção de um caminho que integre e projete um futuro melhor para todos.

MARINA SILVA, professora de história, foi candidata à Presidência da República pelo PV em 2010, ministra do Meio Ambiente (2003-2008) e senadora pelo Acre (1995-2011). Site: http://www.minhamarina.org.br/.

Folha de São Paulo, 01/05/2011

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Artigo de Fernando Rodrigues

A volta de quem não foi


O possível retorno de Delúbio Soares ao PT marca o fim de um ciclo. Se ele voltar a se filiar à legenda, os petistas rasgam a fantasia. Dão por encerrado oficialmente o luto postiço iniciado em 2005, com o escândalo do mensalão. O teatro aproxima-se do final. Até porque o julgamento no STF tem data incerta e não sabida.

Delúbio era o tesoureiro do PT durante a eleição de Lula a presidente em 2002. A partir de 2003, mesmo sem cargo no governo, despachava de dentro do Palácio do Planalto. Era (e é) um arquivo vivo de todos os acertos financeiros ligados à cúpula petista. Foi escolhido para ser a Geni do mensalão. Aguentou o martírio em silêncio obsequioso por meia década.

Um "apparatchik" clássico, Delúbio tinha potencial e conhecimento para enterrar uma penca de deputados em 2005. Nunca comprometeu seus aliados na Justiça.

Passou uma vergonha final em 2009. Já reabilitado e em ação nos bastidores, quis voltar a ser filiado ao partido. Seu desejo foi negado. Ficou no degredo político para não chacoalhar a poeira do mensalão em 2010, quando Lula tentaria manter o PT no Planalto.

Agora é a hora ideal. Neste ano não há eleição. Lula já elegeu Dilma Rousseff. A presidente está com popularidade em alta. O PT tomará algumas bordoadas no noticiário durante um período pela falta de sem-cerimônia. Mas passa.

A decisão sobre a refiliação de Delúbio Soares deve sair no sábado. Melhor dia impossível, pois a repercussão será durante a safra de partidas finais dos campeonatos regionais de futebol pelo país.

O ex-tesoureiro será premiado pelo seu silêncio. A "omertà" triunfou. Como Delúbio sempre operou nas sombras, será o retorno de quem nunca havia partido. Para o PT, é a hora da estrela. Emblemática. Quando o assunto é ética e moral, a sigla terá dado todos os passos necessários para se igualar aos partidos que um dia tanto execrou.

Fernando Rodrigues
fernando.rodrigues@grupofolha.com.br
Folha de São Paulo, 27/04/2011

sábado, 26 de março de 2011

Manifesto pela democratização do PV

Democracia Verde


Manifesto por um PV Aberto, Democrático e de Luta

As eleições de 2010 deixaram um legado. Aproximadamente 20 milhões de eleitores demonstraram que a temática do desenvolvimento sustentável não é mais uma preocupação de minorias esclarecidas, nem uma agenda para um futuro que nunca chega. Pelo contrário, trata-se de um tema urgente, necessário e oportuno, um imperativo da contemporaneidade.

A candidatura de Marina Silva à Presidência representou um novo momento na história do Partido Verde. Um número muito expressivo de antigos militantes, que estavam afastados das atividades partidárias, encontrou um novo ânimo, uma nova motivação para retomar suas atividades políticas. Além disso, milhares de novos militantes têm procurado se aproximar do PV, egressos dos mais diversos partidos e movimentos sociais, como também muitas pessoas que jamais cogitaram se filiar a um partido.

A campanha eleitoral do PV em 2010 simbolizou, para todas essas pessoas, uma nova esperança, uma nova possibilidade de exercício da cidadania ativa, uma nova oportunidade de atribuir valor e sentido à atividade política, uma nova utopia, um novo modo de fazer política.

O PV pode e deve ser a expressão política deste legado. Para isso, precisa enfrentar o desafio imediato de renovar-se, de abrir-se à participação efetiva de seus militantes e simpatizantes.

Nesta perspectiva, os signatários deste documento, filiados ao PV, se colocam publicamente como um “movimento de opinião” em defesa das seguintes posições políticas:

1. Defendemos um PV que assuma uma clara posição de protagonismo político em favor de um modelo de desenvolvimento includente e sustentável, recusando o papel de coadjuvante de outros projetos políticos que não guardam coerência com seus propósitos.

2. Defendemos o cumprimento integral do acordo político que fundamentou a filiação de Marina Silva ao PV, onde se previa a abertura de um processo participativo de rediscussão programática e estatutária.

3. Defendemos a convocação imediata de um Encontro Nacional do PV, para outubro de 2011, com a participação de representantes eleitos em Encontros Estaduais abertos à participação de todos os filiados, para a revisão do Programa, do Estatuto e para a eleição da direção nacional do PV.

4. Defendemos a criação de diretórios municipais e estaduais do PV com direções eleitas em Encontros Estaduais e Municipais abertos a todos os filiados, em substituição às comissões provisórias nomeadas.

5. Defendemos que todas as instâncias de direção partidária adotem composição proporcional à votação obtida pelas chapas que tenham participado em processos eleitorais internos, de modo a preservar a representação das minorias.

Acreditamos que a adoção destas posições contribuirá para organizar e motivar a militância e dotar o partido de uma orientação estratégica que o torne capaz de aproveitar o legado deixado pela campanha de Marina Silva à Presidência. O PV não pode se tornar obstáculo ao aproveitamento e à impulsão de toda essa energia mobilizadora que tem sido revelada nos mais diferentes setores da sociedade, em favor de uma nova utopia política, por um desenvolvimento includente e sustentável.

Desejamos construir um partido aberto, democrático e de luta, à altura das exigências da atual conjuntura política, capaz de responder ao desafio de mudar o destino do Brasil e do planeta. A tarefa não é trivial e exige de todos nós e do PV que atuemos com grandeza de propósitos. É o que esperamos e pelo que lutaremos.

Brasília, março de 2011.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Artigo de Marina Silva

O tempo do PV


Os quase 20 milhões de brasileiros que me deram seus votos na eleição presidencial do ano passado, possivelmente tinham em mente que até poderiam não estar elegendo, naquele momento, a presidente da República, mas, com certeza, estavam elegendo uma expectativa de mudança profunda na política e na adoção do olhar socioambiental como eixo estratégico de organização da sociedade e de estruturação do Estado. Precisamos honrar o crédito dessa expectativa, sob o risco de, eu e o PV, nos transformarmos em devedores de credibilidade, sonhos e esperança. Agora é o momento de mostrar com clareza e sinceridade que vamos saldar nossa conta.

Construir no país uma nova força política significa muito e não se pode confundir tal missão com cálculos imediatistas, nem com vaidades, nem com candidaturas. Não podemos ignorar a oportunidade que a sociedade brasileira nos deu de fazer História.

Agora é o momento de confirmar o que nos une, acima de divergências, erros e dificuldades de comunicação. E de traçar, a partir daí, a estratégia partidária que dialogue com a realidade política do país, mas como pólo inovador e não como mais uma usina de atraso. A esperança não pode ser traída pelas tentações do poder ou pela acomodação aos hábitos, aos costumes, às facilidades. Não estamos agora discutindo futuras candidaturas à Presidência da República ou a quaisquer outros cargos. Estamos discutindo de que matéria essas candidaturas serão feitas: da revitalização da essência democrática do espaço público, ou de política convencional, sem conexão com a sociedade, sem alma, sem causas.

Estamos discutindo aquilo que colocamos em perspectiva lá no início da campanha política de 2010, ou seja, a promessa de reestruturar o PV e, a partir de sua democracia interna, sua postura e seu programa, arejar a cultura política brasileira e apresentar propostas de desenvolvimento compatíveis com o que se espera no futuro, no século 21. Hoje, não há outro assunto mais importante do que esse, porque ainda não nos acertamos, nos detalhes, para seguir nessa direção. E se não é esta a direção, estaremos nos desconstituindo enquanto promessa e negando a própria gênese do PV no mundo.

Muitas vezes falei - falamos - da insatisfação da sociedade, da frustração da juventude com a incapacidade do sistema político para promover o bem-comum e para gerar dinâmicas democráticas verdadeiras em todas as esferas do processo de tomada de decisões de caráter público. Falei, falamos, dos avanços sociais, democráticos e econômicos conquistados com o processo de redemocratização do país, principalmente de FHC a Lula, mas também falei e falamos da necessidade de ir adiante na prática política e na concepção e prioridades do desenvolvimento.

O centro vital propositivo de nosso programa moldou-se a partir de três fontes poderosas de significados: a sustentabilidade, a educação e a renovação política. Não podemos abrir mão de nenhuma delas, ou gangrenamos. Em especial, se deixarmos de lado a renovação política dentro do partido, acabou-se a moral para falar de sonhos, de ética, de um mundo mais justo e responsável com o meio ambiente. Podemos até continuar falando, mas soará falso, como voz metálica de robô.

É impossível negar os problemas. É preciso termos mútua tolerância e respeito à nossa diversidade; é imprescindível termos a paciência para o desconstruir/reconstruir responsável e paulatino. Só não podemos deixar de fazer ou abrir mão do que é essencial. E essa é uma decisão coletiva a ser tomada com clareza, à luz do sol, sem nenhuma dúvida. E a clareza se constrói no cotidiano de nossas pequenas ações e intenções, debruçando-nos, dentro do partido, sobre os passos necessários para atingir aquilo que pregamos para fora: a mudança. Não há como recuar de nossa própria reforma política, e há que encará-la com a coragem e o desprendimento que faltam ao sistema como um todo.

Esse novo jeito de fazer política requer enfrentar a crise geral pela qual passam os partidos, que de instrumentos de representação e avanço social cristalizaram-se como máquinas burocráticas, amorfas e voltadas para a conquista do poder pelo poder, muitas vezes não importando os meios, e abandonando a disputa programática pela simples disputa pragmática.

Em contraposição, podemos criar um partido em rede, capaz de dialogar com os núcleos vivos da sociedade para realizar as transformações de uma forma radicalmente democrática. E a disposição do Partido Verde não pode ser menor do que iniciar, nele mesmo, esse movimento de mudança.

Temos que chegar a uma proposta que reflita esse destino histórico escolhido, apregoado e aceito e abraçado por quase 20 milhões de pessoas.

Considero esse projeto que emergiu da campanha eleitoral de 2010 como um legado. Não é uma espécie de espólio a ser dividido entre herdeiros, mas, sim, um conjunto de propostas que podem e devem ser apropriadas pela sociedade e até mesmo por outros partidos e políticos. Meu maior desejo e, creio, de muitos novos e antigos filiados que participaram ativamente dessa campanha, é que o PV discuta profundamente o significado dessa eleição e incorpore novas práticas ao seu longo e rico percurso de construção partidária.

Por isso, parecia natural que o caminho adotado na reunião da Executiva Nacional, em Brasília, fosse o da adoção inconteste do novo jeito de fazer política. Mas essa não foi a tônica. Ao contrário, a decisão da Executiva Nacional de ampliar seu mandato por até um ano e, assim, postergar qualquer mudança endógena imediata, vai na contramão do que foi dito na campanha e do compromisso feito perante o país.

A ampliação do mandato, segundo seus proponentes, é necessária para a realização de seminários, discussões e aprovação de propostas de democratização do partido. Não creio que o aprofundamento da democracia possa ser feito através da supressão, mesmo que temporária, da pouca democracia ainda existente.

No PV, a maioria das Executivas Estaduais são provisórias, designadas pelo presidente do partido. O mesmo acontece com a totalidade das Executivas Municipais, designadas pelos presidentes estaduais. Praticamente não há convenções municipais e estaduais ou eleições diretas de dirigentes. Esses mecanismos provisórios têm sido vistos como forma de proteger o partido de atitudes oportunistas e da pressão do poder econômico. Agora, eles nos isolam da sociedade, nos fragilizam no que pode nos tornar mais fortes que é a nossa coerência e não nos protegem nem de nós mesmos.

Quero participar das discussões para propor formas mais democráticas de organização partidária, juntamente com todos que estiverem de fato motivados a abrir o partido para a energia revitalizante que vem da sociedade. Lembro que a proposta de adequar o PV a esses novos tempos foi feita pela própria Executiva Nacional, quando do convite feito a mim para ingressar no partido. Ouvi do próprio presidente que a atualização programática e democratização do PV já eram um movimento em curso, uma determinação da própria direção e, acrescento agora, uma imposição da realidade, um desaguadouro natural dos 25 anos de Partido Verde no Brasil.

Por isso, o que está em jogo é se o PV vai fortalecer tudo de positivo que foi construído nesses 25 anos, afastando de vez a zona sombria que ainda envolve o partido. Se beberá da fonte do impulso criativo de milhões de jovens, homens e mulheres que voltam a se apaixonar pela política e se dispõem a colaborar com os verdes. Se vai pegar a trilha civilizatória que se abre no mundo todo, apesar das forças reacionárias de todo tipo que teimam em manter seus status quo à custa de um futuro melhor para a humanidade e para o planeta.

Estou no PV não como plataforma para candidaturas. Estou porque o respeito e vi no partido, pela sua história e pelo que conversamos antes de minha entrada, uma coragem, um arejamento, um frescor juvenil no melhor sentido de ousar mudar, de querer o aparentemente impossível. Reafirmo meu desejo de permanecer neste Partido Verde, contribuindo para o seu crescimento e qualidade política. Estou confiante que a militância verde, seus amigos e simpatizantes, além de todas as pessoas que querem o jeito novo de fazer política, contribuirão para o reencontro do PV consigo mesmo. Tenho plena convicção, como dizia Victor Hugo, de que forte é "a idéia cujo tempo chegou". Não vamos deixar o nosso tempo passar. Ele está aqui, em nossas mãos e em nossos corações.

São Paulo, 24 de março de 2011.

Marina Silva

quarta-feira, 23 de março de 2011

Artigo de Renata Camargo

PV, a meio passo do PPN


“O Partido Verde precisa se reformular para não ser mais um PPN (Partido de Porra Nenhuma). Se a tão prometida revisão do PV não sair do papel, é provável que essa falta de rumo e coerência partidária acabe afundando a legenda”

Renata Camargo*

A expressão “jogou merda no ventilador” cabe bem para o momento. Os artigos publicados pelo deputado federal Alfredo Sirkis (PV-RJ), em seu blog nos últimos dias, abrindo o jogo da confusão envolvendo grandes figurões do Partido Verde brasileiro, mostrou que o buraco da legenda, que se diz alinhada ao pensamento sustentável, é mais embaixo. Por outro lado, fez reacender um sentimento adormecido desde o último outubro: um sentimento de esperança em ver na política uma limpeza de toda essa porcaria.

Em linhas bem gerais, pode-se dizer que Sirkis, em dois textos, faz literalmente o que a expressão acima diz: ele jogou os podres do partido aos ventos e espalhou a lamaceira. A sujeira foi lançada após o grupo ligado ao presidente do PV, José Luiz Penna, no cargo desde 1999, ter reconduzido o mesmo ao posto máximo do partido, a contragosto dos “marineiros”. O fato causou a ira do seleto grupo, que pretendia postular ao cargo um indicado da ex-senadora do PV.

Nos textos, o deputado, em palavras enfáticas, apresenta as disputas internas dos verdes relacionadas, basicamente, à perpetuação no poder de um grupo e a falta de interesse em mexer no conteúdo programático do partido (que significaria a queda de alguns). Nas entrelinhas, Sirkis mostrou também a iconização de uma figura, que pode ser o “chantili” do PV e, ao mesmo tempo, o “estorvo” do partido: a própria Marina Silva.

Em janeiro de 2009, no Fórum Social Mundial de Belém, no Pará – quando ninguém falava em candidato do PV à Presidência –, Marina Silva, ao fim de suas palestras, tinha seu nome ovacionado pelo público – em sua maioria, jovens de classe média, com pensamentos e ideologias ligadas ao que acostumaram chamar de esquerda. Em coro, os jovens – às vezes, “jovens” de cabelos brancos – gritavam “Marina presidente do Brasil”.

A cena, naquele contexto, era, no mínimo, inesperada. Até mesmo para a atriz principal do episódio, a aclamação parecia pegá-la de surpresa. Com um sorriso sem graça (mas daqueles que evidenciam orgulho de si mesma), Marina deixava os locais de palestra escoltada, como uma digna atriz de Hollywood, cujos fãs, ensandecidos, rogavam por um pouco de sua atenção e, quiçá, um autógrafo.

Uma das cenas, eu me lembro bem, foi tão inusitada que chegou a ser bizarra. Na ocasião, me fez lembrar (e rir, por isso) de cenas daquele filme O guarda-costas, da década de 1990, quando Whitney Houston saía protegida pelo seu guarda-costas Kevin Costner. Marina não chegou a ser levada no colo, mas em clima similar de tumulto de fãs, teve que entrar correndo no carro, sob escolta e empurra-empurra.

Marina naquele contexto não era PV. Já era verde, já era relacionada a ambientalistas e à causa da sustentabilidade, já tinha seu nome reconhecido nacional e internacionalmente, mas não era Partido Verde, ela não se restringia à legenda, nem era colocada como o sustentáculo de uma legenda.

Naquele cenário, em que milhares de pessoas ditas esquerdistas ou simpatizantes discutiam terceiras vias para o desenvolvimento da sociedade (e, muitas vezes, sob linguagens ultrapassadas, usando em vão o nome de Marx), Marina simbolizava uma luz no fim do túnel, um caminho para fugir das dicotomias, uma via para sair da esvaziada esquerda-direita, da triste política do jogo dos interesses individuais ou de grupos dominantes. Na época, ela era ainda do PT, mas era aclamada como uma terceira via.

Foi sob o papel de terceira via, que meses depois do fórum, em outubro de 2010, pelo PV, Marina mostrou a força de uma alternativa de poder. Os 20 milhões de votos em Marina forçaram um segundo turno eleitoral e conduziram aquele pleito sem graça para um caminho do “podemos mudar”. À revelia de membros do próprio partido, Marina conseguiu, ao menos de forma macro, negociar acordos programáticos, ao invés de cair no simples troca-troca de cargos para apoio político.

Agora, com as feridas expostas do PV, o sentimento despertado pelo “fenômeno Marina” – o sentimento de uma terceira via para o país, de uma busca por um desenvolvimento do Brasil enquanto nação, com políticos e políticas públicas olhando para a mesma direção do benefício coletivo – se renova de esperança. Será que o partido que se diz bandeira de uma nova forma de pensar o mundo vai conseguir se livrar das antigas e mesquinhas amarras do poder?

O Partido Verde brasileiro, cujo verde aparece, muitas vezes, apenas no título da legenda, precisa se reformular para não ser mais um PPN (Partido de Porra Nenhuma). Com ou sem Marina, se a tão prometida revisão programática (profunda) do PV não sair do papel neste momento político, é capaz que ela não saia nunca mais, e que essa falta de rumo e de coerência partidária acabe afundando a legenda verde no Brasil.

Os 20 milhões de eleitores de Marina são heterogêneos e não podem ser classificados em uma ou duas categorias. Mas é certo que todos aqueles eleitores depositaram naquele voto o sentimento da mudança, da esperança por uma política melhor. Jogar a merda no ventilador neste momento se apresenta como uma forma de reacender a esperança por uma política mais limpa. Talvez a esperança da espera por um milagre, no qual seja possível largar a velha cartilha do poder-pelo-poder, para pensar no poder como um movimento de cidadãos.

*Formada em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), Renata Camargo é especialista em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Já atuou como repórter nos jornais Correio Braziliense, CorreioWeb e Jornal do Brasil e como assessora de imprensa na Universidade de Brasília e Embaixada da Venezuela. Trabalha no Congresso em Foco desde 2008.

sábado, 19 de março de 2011

Artigo de Fabiano Carnevale

Bem-me-quer, mal-me-quer: os impasses do Girassol e um chamado ao bom senso



Como construir as pontes entre o PV histórico e o PV que emergiu das urnas com cerca de 20 milhões de votos? Foi com essa pergunta martelando na cabeça desde outubro do ano passado que tenho definido minhas intenções dentro do partido no qual milito desde 1995 e que faço parte da direção nacional desde 2007, quando assumi o cargo de Secretário Nacional de Comunicação da Executiva Nacional. E foi com essa pergunta na cabeça que optei pelo voto de um cronograma que culminasse na Convenção Nacional em 6 meses. Mas já começo reafirmando meu pedido para que não me imputem a marca de ser do “grupo de Marina”, por ter votado pela posição defendida por ela, da mesma forma que rejeito a marca de ser do “grupo do Penna”, por ser parte do coletivo de dirigentes e da chamada “operativa” (o coletivo do Presidente e seu secretariado). Não me coloquem as amarras do debate personalista e despolitizado, pois quem conhece um pouco da minha trajetória partidária, sabe que minhas posições sempre tiveram a marca da independência e autonomia de pensamentos e ações.

Em 2007, depois de ter passado alguns anos afastado dos processos internos por discordar da intensa e cruel disputa interna que havia se estabelecido, decidi que retornaria à luta por um partido ecologista, democrático e plural, dessa vez não mais só no papel de militante mas no de dirigente nacional.

Foi com esse pensamento que apoiei entusiasticamente a entrada de Marina Silva e contribuí ativamente durante a campanha, tendo a oportunidade de conhecer, admirar e colaborar com o trabalho pessoas como Nilson Oliveira, Caio Túlio, Juliano Spyer, Marcelo Albagli, Felipe Vaz, entre outros.

Não podemos correr o risco de abrir novamente um espaço para o debate despolitizado e personalista. Recuso a visão de que se trata de uma luta entre “fisiológicos” e “ideológicos”, ou qualquer intenção de polarizar a disputa política entre “bem” e “mal”, que nós leva ao paralisante “nós” contra “eles”. Possuo em alta conta pessoas que estão em todos os lados dessa disputa. Reconheço na atual direção a competência de ter tirado o partido de uma organização amadora para o que, em 2009, recebeu Marina Silva e em 2010 abalou a polarização PT-PSDB para se transformar numa terceira via moderna e consistente. Da mesma forma que tenho em altíssima conta, os “novos-velhos” companheiros e companheiras que entraram na direção em 2009 e que possuem a mesma importância no rumo dos acontecimentos de 2010 e nas discussões do partido que queremos para a nova década.

Por isso, me recuso novamente a entrar no velho rame-rame das acusações ferinas e das palavras ácidas que só servem para desestimular e mascarar o importante debate que todos queremos, que é a construção de novos caminhos para o Partido Verde. Entendo que para se construir uma disputa política de alto nível, a primeira constatação tem que ser a de que não há anjos nem demônios nesse “éden infernal” que são os partidos políticos brasileiros. Para isso, necessitamos despersonalizar o debate e nos focar no que foi um consenso durante a reunião da última quinta-feira, que é um gradual movimento de atualização programática e reforma estatutária, nos levando a processos mais plurais e participativos dentro de todas as estruturas de poder interno, municipais, estaduais e nacional. Da mesma forma que não é aceitável como argumento de debate, a posição-ameaça de sair do PV e/ou fundação de um novo partido. As experiências recentes de partidos criados como uma forma de resgate de uma espécie de “pureza original” são suficientemente fracassadas para nos tirar desse caminho. E não deixemos, como sempre disse o Gabeira, que o fracasso nos suba à cabeça. Pois um novo partido desse tipo só surge quando o diálogo e a Política fracassam.

O que defendo é que, daqui para frente, o debate precisa sair do dissenso sobre os prazos e ser feito a partir do consenso surgido durante a reunião, que é o estabelecimento de um cronograma de seminários e congressos que culminem numa Convenção Nacional regida por processos que abram o partido para a participação inclusiva de um número expressivo de militantes qualificados (novos e antigos) que legitimem as escolhas das novas direções em todo o país.

O desafio é imenso. Nenhum partido político brasileiro possui verdadeira tradição de debates democráticos e plurais, portanto não temos onde nos espelhar. Será preciso construir algo novo, principalmente utilizando as novas tecnologias da informação como nossas aliadas. Fortalecer (técnica e politicamente) a RedePV (http://redepv.ning.com), nossa rede social interna que já conta com quase 4.000 filiados e simpatizantes de todo o país, para que ela possa se transformar em espaço privilegiado de participação e debates internos.

E como dizia a máxima da conspiração aquariana: let the sunshine in! Deixem o brilho do Sol entrar, iluminando as trevas das acusações pessoais e do debate despolitizado. Começamos agora, apenas começamos. Mas estamos mais vivos do que nunca.

Fabiano Carnevale

sexta-feira, 18 de março de 2011

Artigo de Alfredo Sirkis

O pesadelo verde

Ontem vivi o pesadelo verde. Vi o risco de desmoronar diante de meus olhos o sonho que tivemos em janeiro de 1986 quando juntamente com Gabeira, Herbert Daniel, Lucélia e um punhado de outros fundamos o PV, no teatro Clara Nunes. Nada indicava que aquela reunião da executiva nacional, na quinta-feira, 17 de março de 2011, em Brasília, iria produzir algo tão kafquiano. Era a primeira reunião desde o segundo turno das eleições. Uma direção partidária que não se reunia a cinco meses (!) o que não significa que durante esses cinco meses o poder partidário deixara de ser exercido...

Ao longo dos últimos anos instalou-se uma espécie de presidencialismo sub-reptício neste partido programaticamente parlamentarista. O presidente passou a exercer solitariamente boa parte do poder que caberia à direção do partido com o auxilio de um virtual politiburo (“a operativa”) à qual caberiam apenas tarefas burocráticas mas, como no precedente stalinista, acabou se convertendo no órgão de deliberação, de fato, no lugar de uma executiva balofa, de 58 membros, dos quais boa parte cooptada em barganhas que asseguravam o controle do PV nos estados por quadros fracos e sem representatividade social.

A campanha de Marina Silva à presidência com seus quase 20 milhões de votos e quase 20% do eleitorado deveria ter sido o grande marco de transição para um novo partido que se abre para acolher esse extraordinário movimento. O partido encontra-se diante de uma oportunidade ímpar de crescimento, renovação, incorporação de novas energias. Esboçou-se claramente durante a campanha, na sociedade brasileira, um espaço gigantesco, fascinante, no qual Marina jogou um papel catalisador. Mas dentro da nossa carapaça burocrática, cartorial e clientelista começava a se gestar um discurso bizarro, mesquinho: “afinal o fenômeno Marina não foi tão bom assim para o PV porque o partido só elegeu um deputado a mais do que em 2006”. Houve quem até comentasse, recentemente, à luz da aposentadoria de Ronaldinho: “a era dos fenômenos acabou”. Marina passou a ser vista como um “problema”. Interessante enquanto “cereja” ou “chantili”, mas estorvo quando vem aí com esse papo de democratização do PV.

Acostumado há muitos anos à presença na direção do PV de pessoas intelectual, política e teoricamente totalmente despreparadas cuja cooptação se dá na lógica de assegurar a longevidade presidencial, também me acostumei, por outro lado, a um certo bom senso de evitar romper radicalmente com os verdes históricos. Essa bizarra reação anti-Marina seria, na minha avaliação inicial, um ranger de dentes efêmero de pessoas que não entendiam a grandeza do que havia acontecido na campanha presidencial mas que, como bons companheiros, entenderiam melhor esse significado logo mais adiante. Por essa razão essas articulações e discursos a pé de ouvido não me preocuparam em demasia.

Quinta-feira tudo começou aparentemente bem. Junto com alguns outros companheiros fiz uma análise do processo eleitoral, das novas perspectivas que se abriam e sobretudo da necessidade de uma transição democrática no PV. O PV sempre se debateu com o drama de querer fugir aos modelos de grupúsculo ideológico ou de partido eleitoreiro tradicional. Constantemente viveu a dificuldade de abrir espaço de participação a um universo de simpatizantes e eleitores muito heterogêneo, com múltiplos interesses, variadas formas de se relacionar com a questão ambiental e outras bandeiras verdes. Um universo de diversificadas motivações: desde a tradicional aspiração a uma candidatura até a necessidade de apoio para enfrentar um problema de vizinhança em sua rua.

Depois de muitas experiências traumáticas com as repetidas tentativas de controle por parte de políticos fisiológicos o PV acabou se fechando no que para muitos apareceu como um “grupo de amigos”, o que, convenhamos, é melhor que um grupo de inimigos, mas não resolve o problema. Esse controle estrito pode ter sido importante para a sobrevivência do partido em seus momentos mais difíceis, nos anos 90 e 00, mas deixou de corresponder à realidade de uma nova etapa. Agora, os verdes ou crescem quantitativa e qualitativamente junto com o movimento de opinião pública que suscitaram ou estagnam e entram em decadência.

A hora de começar a mudar é agora, depois daquele extraordinário resultado de 2010. Cabe a construção de um partido-rede. Cada vez mais em todo o mundo se evidenciam as grandes possibilidades de mobilização e participação política com o uso da internet e das redes sociais. O PV deve criar ou adaptar uma rede social para se relacionar com seus filiados de forma participativa e interativa integrando-os aos processos de decisão, inclusive para a eleição das suas direções municipais, estaduais e nacional. Isso passa por essa filtragem --coerente com a noção de “partido de quadros” e não “partido de massas” que o PV se propôs a construir-- por filiados que demonstrem conhecer minimamente o Manifesto e o Programa verdes e por uma certificação digital para efeito de participação nos processos de tomadas de decisões. Mas devemos caminhar, gradualmente, para que as decisões deixem de ser de meia dúzia de dirigentes apenas, mas de milhares, potencialmente milhões de verdes em rede. Isso não é um processo imediato mas precisaria começar a ser construído a partir de agora. O PV não pode ser visto senão como instrumento de uma causa e não a causa em si. Não pode ser simplesmente uma “coisa nossa” cuja tradução em italiano prefiro não mencionar aqui...

Propus um calendário: 1) a correção imediata de certas graves anomalias regionais como as de alguns estados amazônicos onde tivemos dirigentes em conluio com oligarquias locais do tipo Cassol ou Amazonino Mendes (!), boicote à campanha de Marina e um resultado eleitoral nulo 2) uma rodada de seminários nos estados e um nacional sobre O Partido Verde dos Anos 10, 3) um Congresso de Atualização Programática incorporando o trabalho programático feito durante a campanha, inclusive a Agenda Verde do segundo turno, ao programa do partido 4) e, finalmente, em tempo hábil para a reta final do prazo de filiações para as eleições de 2012, nossa Convenção Nacional para eleger o novo Conselho que por sua vez elegeria uma nova executiva e esta seus cargos, inclusive a presidência.

Todos, aparentemente, concordaram com essa linha de procedimento e, também, com a noção de que nos últimos anos o partido sofrera uma deriva presidencialista anômala. Marco Mroz, Sergio Xavier, Mauricio Bruzadim e, finalmente, a própria Marina falaram no mesmo sentido abrindo para o PV a perspectiva de assimilar os frutos da campanha e tomar o caminho de uma transição democrática que, na minha opinião, deveria resultar também numa transição geracional logo mais. Penso que o partido não deve ser conduzido indefinidamente por sessentões e cinquentões. A campanha revelou uma juventude maravilhosa que pode em pouco tempo receber o bastão.

Todos pareciam concordar. Eu estava tranqüilo, relaxado, feliz com o nosso partido que parecia acordar da letargia e dos bizarros rumores dos longos cinco meses pós-eleitorais. De repente alguém me avisou que o deputado José Sarney Filho ia propor uma pura e simples prorrogação, por um ano, do mandato daquela executiva, e, consequentemente --é claro-- do presidente José Luiz Penna que está no seu décimo segundo ano como presidente. Minha indignação foi na medida da minha surpresa. Não me passara pela cabeça que tendo, aparentemente, maioria no conselho e provavelmente da convenção eles chegariam ao extremo da cara-de-pau de propor prorrogação de mandato apenas para poder assegura-se ainda mais de que a coisa não lhes fugiria das mãos. Que manteriam por mais um ano o poderzinho para poder, em seguida, se perpetuar no partido, que assim insiste em permanecer alheio ao movimento da sociedade.

Argumentamos que realizar uma convenção em ano eleitoral seria uma temeridade. Surgirá certamente um bom argumento para adia-la mais uma vez, para não dividir o partido diante das eleições. Até lá já terão aderido ao governo e assegurado o controle completo do partido mediante os métodos tradicionais da política brasileira. Não reagi da maneira mais conveniente. Bater boca nunca é o melhor caminho, mas tem situações onde engolir sapo dá vômito, e se não der, dá câncer. O fato é que “estourei”. Logo mais surgiu a brilhante idéia de prorrogar por dois anos! Seria apenas o bode na sala? Começo a acreditar que a palavra de ordem Penna Forever, que vi num cartaz em São Paulo há tempos, não é piada não. É sério: caminhamos para uma presidência vitalícia??? A quebra de confiança se instalou entre nós.

Marina ficou perplexa ainda que não propriamente surpresa. A animosidade da burocracia no partido contra ela era algo que ela vinha reparando há tempos e constantemente lhe garantindo que exagerava. Naquela hora percebi que não. Digamos que, na melhor das hipóteses, criaram por ela uma relação amor-ódio. Amor pelo que de prestígio indireto pode lhes aportar. Ódio quando sua visão de transição democrática é vista como ameaça a seus poderzinhos...

O fato é que aprovaram a moção de Sarney Filho por 29 votos a 16 com base em acordos com as clientelas internas que dominam muitos estados mantendo o partido na sua condição de vergonhosa estagnação, garantias de cargos e também o medo que existe em relação a qualquer mudança mais profunda no pequeno partido que somos, naquela nossa "coisa nossa". Dirão que estou exagerando já que “quase tudo” de minha proposta foi aprovado e que é apenas uma questão de prazo: em vez de fazer a convenção em julho de 2011 fazer até março de 2012.

Mas é uma diferença muito grande sempre que tivermos uma convencão já em cima ou depois do prazo fatal de filiação em final de setembro de 2011. Mas a questão central não foi aquela decisão, em si, mas tudo que ela sinaliza. Sinaliza a disposição de manter um presidencialismo com aparente vocação de, pelo andar da carruagem e sem piada, tornar-se vitalício. Significa a disposição de Penna e Sarney de romper com o setor mais histórico e ideológico dos verdes e afastar Marina --a não ser que sirvamos simplesmente de “chantili”, como ela define--, mediante sucessivas rasteiras e levar o partido para o governo em conluio com o novo partido de Kassab com o qual eles têm tido muitas reuniões. O sentido mais estratégico de tudo isso é anular os verdes como terceira força, desconstruir 20 milhões de votos, debandar 20% do eleitorado.

O que nos resta? Digo aqui claramente que não admito o presidencialismo vitalício, o pensar pequeno, o fechar-se em um pequeno grupo, o não abrir-se ao universo que emergiu na sociedade brasileira na campanha de Marina. Vamos esgotar todas as possibilidades de diálogo, discussão e esforço fraterno para fazer o PV recuperar seu juizo, seu ideário, seu idealismo, sua identidade como instrumento, não como finalidade em si mesmo. Diz o nosso Manifesto: O Partido Verde se define como um movimento de cidadãos e não de políticos profissionais ou homens de aparelho. Considera que o povo brasileiro está descontente com a chamada "classe política" e almeja um tipo de representação e ação mais eficiente, desinteressada e moderna. O povo brasileiro está cansado de uma elite fisiológica, que vê na política não uma forma de representação das aspirações dos cidadãos, mas uma carreira profissional, um caminho de enriquecimento e poder individual.

Há vinte cinco anos redigi este texto, aprovado pelo coletivo verde que criou o PV, e continuo fiel a ele. Se, eventualmente, tivermos que começar tudo de novo o faremos. Não seremos, como garante Marina, “uma fraude”, um discurso falso, um consenso oco, um chantili, muito menos uma confraria de hipócritas.

Alfredo Sirkis, deputado federal (PV/RJ)