quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Artigo de Alfredo Sirkis

Marina no segundo turno


Marina torna-se instrumento para a elevação de um debate que tende a virar briga de torcida organizada, na busca da vitória a qualquer preço

É de praxe na política brasileira que os candidatos derrotados no primeiro turno operem rápida adesão a um dos remanescentes em gabinetes fechados, almoços ou telefonemas em que são barganhados ministérios, fatias de Orçamento, secretarias, diretorias, superintendências e cargos comissionados.

No jargão corrente, são os tais "espaços políticos". Esse não será o caminho dos verdes. Nossa primeira responsabilidade agora é fazer jus aos 20 milhões de votos (quase 20%) obtidos por Marina Silva.

Fique claro: não são votos verdes e nem mesmo Marina pretende que sejam "seus". Conforme ela própria vem colocando insistentemente, são votos dos eleitores.

De qualquer maneira, pairam sobre nós como uma enorme responsabilidade. Exigem que deles sejamos dignos. Não foram tanto votos "de protesto", mas, sim, de diferenciação e de esperança.

Votaram em Marina a classe média iluminista, os jovens e as mulheres pobres, em grande parte cristãs. O voto verde veio incluído nos dois primeiros segmentos. O terceiro representa um poderoso vínculo de identificação pessoal com Marina. Um laço de amor.

O segundo turno, de fato, exige uma definição. Dilma, Serra ou o não envolvimento eleitoral. Isso será deliberado em aproximadamente 15 dias, por convenção nacional do Partido Verde, prevista desde o ano passado, na qual se garantirá à posição minoritária o direito de se expressar individualmente.

Nossa responsabilidade imediata é criar canais de participação para os que atuaram intensamente na campanha, mas que não pertencem aos verdes (grupos de programa, Movimento Marina Silva e apoios religiosos), e, sobretudo, condensar um programa mínimo a ser apresentado e discutido de forma séria, transparente e responsável com Dilma e Serra.

Vamos colocar a sustentabilidade socioambiental no cardápio das discussões com ambos, empedernidos desenvolvimentistas clássicos.

Mas abordaremos também outros aspectos: garantias de conduta republicana e respeito às instituições (traduzidas em providências práticas), educação, segurança, saúde etc. Será abordagem realista.

Sem faca no pescoço, com direito a discussão aprofundada, checagem de números e fatos. Mas que poderá demandar eventuais mudanças de rota e colidir com outros compromissos por eles já assumidos. Marina, no segundo turno, torna-se uma referência para os questionamentos da sociedade e um instrumento para a elevação de um debate que tende a virar briga de torcida organizada, na busca da vitória a qualquer preço.

Queremos ajudá-los a evitar esse destino. Até porque Marina disse que, caso vencesse, tentaria realinhamento histórico que juntasse o melhor desses dois partidos social-democratas, que disputam entre si a "liderança do atraso".

O Brasil não pode deixar de discutir como direcionar seus investimentos públicos e seu sistema tributário para a sustentabilidade.

Precisa discutir também o que seria uma nova economia "verde", de baixo carbono; as ameaças à legislação ambiental; como a esfera federal poderia contribuir melhor para a segurança nos Estados; e como os terríveis gargalos na educação podem ser vencidos.

Deve ser discutido como o saneamento básico e a prevenção de acidentes podem reduzir dramaticamente a pressão sobre nosso sistema público de saúde; como podemos robustecer as boas práticas republicanas e as garantias individuais dos cidadãos; e como, enfim, reformar um sistema político gravemente enfermo.

A ausência de Marina no segundo turno, por força da decisão soberana dos eleitores, transforma-se, assim, em uma presença ética e programática.

ALFREDO SIRKIS, 59, deputado federal eleito pelo Partido Verde (RJ), é vereador pelo mesmo partido no Rio de Janeiro, presidente do PV do Rio e vice-presidente nacional do partido. É autor, entre outras obras, de "Os Carbonários".

Folha de São Paulo, 06/10/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário