quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Artigo de Rafael Peixoto

Porque Marina deve ser neutra

O primeiro turno passou, e saímos dele com vinte milhões de votos. São vinte milhões de brasileiros que fizeram de Marina Silva a sua porta-voz. E notem a mudança estrutural vivida: o voto em Marina não foi um voto de protesto, como quem vota no Tiririca ou na Mulher Pêra. Antes, foi uma opção clara e consciente por um projeto de governo. Um projeto compartilhado por pessoas que não se furtam a assumir suas responsabilidades para com suas famílias, suas comunidades, seu País, seu mundo. Que desejam um Brasil inserido entre os países desenvolvidos, porém com respeito às diferenças. E que admiram a coerência entre discurso e ação, a praxis que tangibiliza valores e ideais.

Há uma história vívida de luta pela democracia no Brasil. A geração dos meus pais enterrou milhares dos seus melhores jovens nas trincheiras da guerra suja contra a Ditadura. Lutaram com panfletos, sensibilidade e discurso. Quando não funcionou, alguns pegaram parabelo e peixeira. Já no fim, aparentemente derrotados pela supremacia feia das armas, lutaram com a resiliência das salas de aula, criando mentes para fazer a hora, e não mais esperar acontecer. São pessoas que choraram nas Diretas Já e que abraçaram seus filhos e pais quando veio a Anistia. São pessoas que, após a falência da metalidade yuppie de toda uma geração, criaram seus filhos valorizando as diferenças, admirando a contestação embasada na solidariedade, na justiça social e no respeito ao meio ambiente. São, em resumo, pessoas calejadas que valoriozam a democracia sobretudo, independentemente de coloração. Basta lembrar que na mesma trincheira tínhamos Serra, Gabeira, José Dirceu e Dilma. No outro pólo, numa linha desarmada, porém não menos relevante, tínhamos Lula. E num rincão do Brasil tínhamos Marina e Chico Mendes, o exemplo brazuca das lições de Gandhi e sua resistência pacífica, buscando justiça na mata sem lei da Amazônia. A geração dos meus pais lutou pela democracia. E os vinte milhões de votos de Marina são o melhor exemplo da maturidade democrática do Brasil.

E estou aqui para falar também dos seus filhos, as gerações X e Y, pra manter uma terminologia modernosa. Nós – sou um X tardio ou um Y precoce, vocês escolhem – somos diferentes. Em primeiro lugar, falar de contestação conosco é mais do mesmo. Nós tivemos pais tolerantes e descolados, até pedimos conselhos a eles o tempo todo, nada dessa linha doida de rebeldia inconsequente. Nós valorizamos o livre discurso, tão consolidado na democracia libertária e anônima da Internet. Nós nos sabemos brasileiros, parte de um País que já viveu seus momentos mais medonhos e tristes, mas que se ergueu com o “vamos fazer juntos”. Não temos o ranço triste e lúgubre da luta contra a Ditadura, porque nossos pais já sofreram o suficiente, e stamos cansados de lágrimas. Somos habitantes do mundo wiki, do universo colaborativo, da Terra como uma grande nação. Nossos pais nos deram segurança, então somos pessoas bem resolvidas, de opiniões fortes, para quem a autoridade instituída é apenas mais um trabalho. Duvido ver um jovem chamando um presidente de Senhor, só se for obrigado.

Nossa relação de hierarquia reside na admiração. E nossa admiração reside no coletivo, na livre circulação de ideias. Somos jovens, alguns, como eu, já na casa dos 30, outros nos 20, e alguns adolescentes que em quatro anos vão chegar às urnas. O Brasil é um país jovem. E nós não somos burros.

Por isso escolhemos Marina.

Nós sabemos que um projeto de poder não deve e n ão pode ser mantido a qualquer custo. E defendemos Marina Silva porque sua vida corrobora esta máxima. Ao discordar de Dilma Roussef e do Governo Lula, Marina rompeu um casamento de décadas com o PT. Sua aparente fragilidade oculta um gigante, cuja força, sensibilidade, senso de justiça e coerência foram calcificados em uma vida de seringais, de protesto contra a servidão e o latifúndio, de força de vontade e, sobretudo, de afeto. Afeto pelo brasileiro, seja ele pobre ou rico. Afeto pela sua família, suas crenças, seus ideais. Afeto pelo Brasil, esta nossa terra que vaga na dicotomia entre belezas naturais e bizarrices socioeconômicas. Se recebiam Marina à bala, ela respondia com palavras e atitudes, uma mulher que sabe o poder das construções semânticas, a força do verbo contra o poder da faca, a força das massas contra o poder individual, exatamente como os pensadores da nossa geração. Nós conhecemos o poder acachapante da resistência pacífica e das torres vetustas das palavras. Aí está porque votamos em Marina. E nós não confiamos levianamente.

Nós somos vinte milhões de brasileiros. E não vamos admitir que Marina apoie quaisquer dos candidatos à presidência no segundo turno sem uma consulta aos seus eleitores. Esta não pode ser uma decisão exclusiva da cúpula do PV.

Vejam, nós buscamos um novo caminho. Sabemos que às vezes um projeto de poder exige sacrifícios, e que faríamos muito pelo Brasil com dois, talvez três ministérios em nossas mãos. Mas não são estes os projetos de País que defendemos. Não queremos o niilismo econômico e social da espúria aliança entrre PSDB e Democratas. Tampouco nos agrada o milagre econômico – quando ouvimos isso antes? – com verniz stalinista sinalizado por PT e PMDB, ainda que admitamos as óbvias b enesses que o Governo Lula trouxe para o Brasil. Quem votou em Marina não é tão ingênuo. Não aceitaremos uma heroína com pés de barro.

Tenho orgulho de ser uma pessoa esclarecida, inteligente e sobretudo pragmática. Em política, sei-me sempre obstinado na defesa de minha particularíssima visão de mundo, protegendo o cimento ideológico que me mantém coeso. Meu pragmatismo – homem de comunicação que sou – pede uma aliança. Não preciso prender-me a análises de cenário, qualquer cientista político já elencou vantagens e desvantagens das polarizações do PV e da Marina entre os dois jogadores do segundo turno. Acredito que cada eleitor de Marina tem igual capacidade de analisar os retornos práticos de uma aliança com Dilma ou Serra.

Mas subitamente vejo-me jogando fora meu pragmatismo, meu racio nalismo. Porque meu voto em Marina não foi apenas racional. Foi antes de tudo um voto de esperança num Brasil menos pragmático e mais sensível. Num governo que analise estrategicamente as mais relevantes questões nacionais, com a coragem de sugerir soluções impensadas e por vezes aparentemente irracionais, mas que em vinte anos mostrar-se-ão as mais acertadas. Visão de futuro é um misto de racionalidade e sentimento. Meu governo ideal é um governo com visão de futuro. E a visão de Dilma e Serra é um futuro do pretérito, um futuro reativo e careta, limitado pela racionalidade mecanicista e parcial de pessoas presas a um passado maniqueísta. E o mais incrível, duvido que qualquer um deles tenha sofrido mais do que Marina, lá nos seringais do Acre. É preciso coragem para deixar de lado o rancor de uma vida inteira de privações. Marina teve esta coragem, enquanto Serra e Dilma chafurdam em sua covardia, brandindo seu poderio autoritário como se fossem os su cessores daqueles com quem lutaram. Serra difamou Dilma e planejou estratégias para o segundo turno no velório do pai do Aécio Neves. Dilma tentou calar a imprensa e abafar o absurdo tráfico de influências em todas as esferas dos três poderes. É um jogo sujo. Uma mulher como Marina não pode apoiar pessoas assim.

É por isso que sou pela neutralidade em cenário nacional. E há outros porquês.

Porque daqui a quatro anos teremos uma candidata mais que viável à presidência. Porque Marina representa um ideal jovem e moderno, que eclode a visão careta de um mundo de velhas oligarquias e da luta marxista de classe (nem a China é comunista mais, gente!). Porque Marina sempre foi contra o Governo FHC e seus desmandos, e sabemos que José Serra é um FHC com um vocabulário menos rebuscado. Porque Marina abandono u um ministério por não acreditar que se deva construir uma usina no meio da Amazônia sem a devida avaliação de seu impacto ambiental. Porque Marina foi suficientemente elegante para não usar seu imenso poder contra o autoritarismo grotesco de Dilma. Porque Marina é diferente, e qualquer opção outra que não a neutralidade será interpretada como um fisiologismo barato e politiqueiro, que não condiz com a vida desta mulher que é um exemplo do que o Brasil tem de melhor.

E porque uma aliança, seja com Serra ou com Dilma, vai decepcionar-me profundamente.

Sabem, Marina tem cara de carro elétrico, de energia eólica, de rede social, de SWU, de médico da família, de dar o peixe sim, mas ensinar a pescar logo depois. Marina tem a cara da wikipedia, da long tail, de APL, do consumo responsável, de preferir um colar de coco a uma joia da H Stern. Marina tem a minha cara, e a dos meus filhos, que são crianças hoje, mas que daqui a oito anos já poderão votar. Marina tem a cara dos meus pais, que mesmo tendo passado pela Ditadura conseguiram manter bom humor e alegria de viver. Marina tem a cara do jovem que olha para um adulto mandão e diz “hã?”, porque Marina nunca é mandona, ela ouve você, absorve suas ideias e depois lidera um mundo com elas. Marina tem a cara dos chinelos havaianas, de político que não usa terno, porque um palhaço pode usar terno, mas ninguém copia as atitudes de um político de verdade. E Marina é verde. Da cor do Brasil.

Sei que o estatuto do PV permite que decisões de cúpula sejam tomadas à revelia das bases. Mas entendo que há um processo democrático a ser cumprido junto à sociedade, junto aos eleitores de Marina Silva. Acima do PV há vinte mi lhões de eleitores – pessoas da sociedade civil, artistas, intelectuais. Há o Movimento Marina Silva, surgido antes ainda de sua candidatura à Presidência. E há a figura pública de Marina Silva, a gestalt que faz dela um exemplo nacional, uma esperança, um sopro de renovação nesta política tão vilipendiada pela interferência nefasta do Executivo sobre os outros dois poderes. Meu apelo aqui dirige-se àqueles que como eu votaram em Marina Silva, uma Senadora de registro impecável, ex-Ministra, uma figura que esteve no cerne das discussões mais relevantes do País. Dirijo minhas palavras ainda à mulher Marina, doce Marina, talhada na dureza da selva, na doença, na sabedoria adquirida em uma vida de escolhas nobres e muitas vezes difíceis. Nós temos uma líder para o futuro. Não podemos enterrá-la sob os escombros de uma política falida que defende interesses de curto prazo. O Brasil merece mais. Nós merecemos mais. Marina merece mais.

Rafael de Freitas Peixoto

Nenhum comentário:

Postar um comentário