terça-feira, 16 de março de 2010

Entrevista com Guilherme Leal

"Neófito", sócio da Natura hesita em ser vice de Marina


MALU DELGADO
da Folha de S.Paulo

Aos 60 anos, o empresário Guilherme Leal, fundador e co-presidente do Conselho de Administração da Natura, se define como um "neófito" na política. Nessa condição, se preocupa com a exposição --pessoal e empresarial-- a que estará submetido com a aproximação da pré-candidata do PV à Presidência, Marina Silva.

À Folha, ele afirma que, por conta disso, ainda não decidiu se aceitará ser vice de Marina. "O tempo está passando, os netos vão chegando, e nossos papéis dentro das empresas vão se transformando", diz ele, ao explicar as razões para entrar na política. Leia a seguir trechos da entrevista.

FOLHA - O que leva um empresário bem sucedido a entrar para a política num país com tantos problemas no sistema político eleitoral?

GUILHERME LEAL - Nos últimos 20 anos tenho tido grande envolvimento com diversos movimentos da sociedade civil, além do envolvimento na Natura, ligada a movimentos de responsabilidade social e ambiental de empresas. Sempre entendemos que mercado, sociedade civil organizada e o Estado moderno e eficiente são um tripé. Até hoje, sempre tínhamos atuado na vertente de mercado. Há 20 anos eu atuo também na sociedade civil. Neste momento, passei a considerar essa hipótese de atuar também na política. Um banquinho com três pés não se sustenta se um não estiver funcionando a contento. Sem um Estado que introduza na sua visão de desenvolvimento esses elementos do socioambientalismo, dificilmente poderíamos obter resultados mais efetivos. Daí foi a ponte para uma atuação na política e daí o encontro com a Marina Silva.

FOLHA - A filiação foi negociada e intermediada por Marina Silva?

LEAL - Marina é uma pessoa muito inspirada e inspiradora. Ela teve o dom e a capacidade de me convencer que a filiação era um gesto político importante. E eu cedi. Infelizmente no Brasil as pessoas de bem têm se afastado da política. Precisamos quebrar essa tendência. De alguma forma, precisamos fazer com que as pessoas que querem o bem deste país, que têm um compromisso ético, com a questão pública, voltem a se envolver com as questões de Estado.

FOLHA - Houve retrocesso no tratamento da questão ambiental com a saída da Marina Silva do governo?

GUILHERME LEAL - Eu acho que precede a saída da ministra Marina. O ambiente estava sendo colocado como vilão do desenvolvimento, ao contrário do que imaginamos. Isso fez com que diversas pressões sobre a legislação existissem, para que houvesse retrocessos da legislação ambiental vigente, e embates no ministério.

FOLHA - A entrada de Marina na disputa obrigou José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) a introduzir a questão ambiental na agenda?

LEAL - Eu acredito que sem dúvida nenhuma a entrada de Marina teve um efeito. A nossa própria participação em Copenhague, por exemplo, foi qualificada. Agora, até que ponto isso é retórica e até que ponto é uma mudança efetiva só o tempo vai dizer. Eu não vejo, para ser honesto, essa visão de futuro quando se analisa com mais profundidade os programas até agora divulgados. A gente vê ainda de uma maneira marginal a questão ambiental.

FOLHA - O programa de Marina Silva será ambicioso a ponto de responder esses desafios?

LEAL - O programa da Marina proporá, sim, eixos estruturantes para pensar de maneira diversa qual infraestrutura queremos e como de fato fazer da educação uma prioridade que até hoje nunca teve.

FOLHA - Esse discurso "a educação será prioridade" é comum e fácil, adotado por vários políticos. O sr. poderia detalhar isso?

LEAL - Significa aumentar investimentos em educação. Precisamos de meta de universalização da pré-escola. São propostas genéricas, mas precisamos de um ensino fundamental de qualidade. Todo mundo fala isso, mas ninguém fez isso efetivamente. Dá para dizer que o governo Lula fez isso efetivamente? Dá para dizer que o governo Fernando Henrique fez isso efetivamente?

FOLHA - Na economia, o PV prega um "neoliberalismo sustentável"?

LEAL - Não sei o que é neoliberalismo sustentável (risos). Eu não sei e não gosto de rótulos. Então não vou explicar o que eu não sei o que é. Os governos de Fernando Henrique e Lula foram anos muito positivos. Então falar de descontinuidade dessas principais políticas, seja no campo macroenômico ou social, seria desrespeito ao povo brasileiro. Agora, isso não implica em não falar de mudanças. Estamos falando de mudanças estratégicas, não gerenciais. Nenhum governante minimamente responsável pode entrar e querer mudar a política macroeconômica em curso ou programas sociais que claramente estão funcionando e precisam evoluir.

FOLHA - Como o sr. recebe essas críticas internas, do PV? O ministro Juca Ferreira [Cultura] disse que o partido sofre de escoliose à direita.

LEAL - Na condição de neófito eu me permito receber com muita tranquilidade essas divergências partidárias. Aliás, o ministro acabou de pedir licença por um ano do partido para exercer sua opção [apoio a Dilma Rousseff] com maior liberdade. O PV, como a maioria dos partidos, nunca foi homogêneo nas suas posições, e continua não sendo. É um partido que está em processo de revisão de si mesmo, do seu programa, de suas estruturas, de seus processos. Na verdade, os partidos precisam ser repensados. A gente sabe que a reforma política está sempre para acontecer, mas algo impede que isso ocorra. Então não vamos querer cobrar de um partido ou outro uma coerência total que não vemos no conjunto.

FOLHA - A Natura fez uma doação a Marina em 2002. Fará de novo?

LEAL - Minha decisão é pessoal e não tem absolutamente nada a ver com Natura. Sou grato aos meus sócios, que aliás são inúmeros, por respeitarem a minha decisão e apoiarem. Mas são coisas absolutamente distintas. A posição de Natura é clara e explícita: ela não financia. Ela financiou esse caso que você mencionou, uma quantia irrisória, e na época não tinha essa política estabelecida.

FOLHA - O sr. é a favor do financiamento público de campanha?

LEAL - Sou, apesar de achar que não é a panaceia universal. Não coibirá eventualmente o chamado caixa dois. Não sei exatamente como reduzir a influência do capital. Não acho que o financiamento de A ou B para X ou Y necessariamente significa corrupção. O importante é saber se os atos de governo atendem ao bem público ou não, ou são recompensas por aquele financiamento. essa é a questão central.

FOLHA - Como viabilizar financeiramente a campanha de Marina Silva?

LEAL - Existe a preocupação. Sabemos que será uma campanha modesta quando comparada aos pré-candidatos colocados há mais tempo. Acreditamos na força das ideias, na mobilização de Marina. Sabemos que teremos pouco tempo de TV e isso será uma dificuldade. A proposta de Marina é importante para a construção de alternativas de novos pensamentos não maniqueístas, que quebram essa polarização que há tanto tempo domina a política brasileira e que tem impedido que os melhores quadros possam governar esse país e acordos mínimos de governabilidade.

FOLHA - Essa polarização à qual o sr. se refere é do PT versus PSDB?

LEAL - É sim. Acho que se por um lado PT e PSDB foram forças estruturantes da política brasileira nos últimos 20 anos, essa polarização e a falta de um diálogo em torno de plataformas mínimas de governabilidade representaram um atraso para a política brasileira e acabaram provocando alianças menos nobres e processos que estamos aí vendo, nos diversos campos. Tem a ver com a construção de maiorias se utilizando de métodos pouco republicanos.

FOLHA - Que métodos?

LEAL - Temos o mensalão de Brasília, o mensalão de Minas, o do Congresso Nacional. Temos vários mensalões sendo apurados, de todos os lados. E isso não engrandece a política brasileira.

FOLHA - Como o sr. avalia o governo Lula, nos dois mandatos?

LEAL - O simples fato de ele assumir o poder foi um grande avanço para a democracia. O fato de, ao assumir, preservar o que havia sido feito foi um sinal de maturidade muito importante. A capacidade do presidente Lula de se comunicar com a população brasileira foi um fator absolutamente relevante para construir um consenso mais amplo, diálogo mais amplo com diversos setores da sociedade brasileira. Sem dúvida, a ampliação de políticas sociais do governo Lula foi muito significativa e gerou uma ativação da economia maior que a imaginada. A redução da curva de pobreza foi muito importante. Do ponto de vista da ética na política eu me preocupo porque houve como se fosse uma aceitação de que certas práticas, como falávamos há pouco de financiamento, são aceitáveis e inevitáveis na política. Isso eu não acredito que possa ser uma base para um futuro saudável de uma nação. Me preocupa também essa questão de um Estado que se amplia. Me preocupa a falta de transparência em algumas decisões do Estado. Como política externa, essa lógica multipolar é meio estranha, esses flertes do presidente Lula com lideranças pouco democráticas. Valores fundamentais deveriam estar um pouco mais presentes. Pragmatismo em excesso às vezes se torna perigoso.

FOLHA - O sr. separou as pessoas física e jurídica. Guilherme Leal será vice de Marina?

LEAL - O Guilherme Leal está em processo de decisão. Tem o partido para decidir, tem o Guilherme para decidir. É uma decisão difícil. Eu acho que há circunstâncias pessoais e políticas que fazem com que o momento certo ainda não tenha chegado. Está em fase final de amadurecimento. Tenho dúvidas pessoais e políticas.

FOLHA - O sr. é citado na Forbes como uma das grandes fortunas do mundo. Isso o constrange?

LEAL - Sem dúvida. A gente teve sempre uma posição muito de baixo perfil. Pessoalmente nunca me expus mais que o indispensável ao exercício das atividades profissionais. Esse grau de exposição, eu tenho que ser sincero, me incomoda um pouco, apesar de não ter nada a esconder. Estou considerando com muito carinho.

FOLHA - Quem são os políticos que o sr. admira hoje?

LEAL - O Al Gore tem tido um papel muito importante como consciência mundial. Está faltando liderança, né? O Obama, apesar do ano difícil que está enfrentando, espero que venha a demonstrar boa liderança. A Europa infelizmente não está apresentando muitas lideranças dignas de maiores destaques.

FOLHA - Em entrevista à Folha, Al Gore afirma que a crise do clima pode ser solucionada com folga. O sr. concorda com isso?

LEAL - Concordo com ele que soluções existem, é uma questão de ter vontade política de persegui-las. Aí é que a grande diferença de ver o ambiente como um problema ou como uma enorme oportunidade. E eu entendo como grande oportunidade.

FOLHA - E no Brasil?

LEAL - No Brasil Marina Silva!

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