domingo, 14 de março de 2010

Propostas econômicas de Marina

Marina constrói "liberalismo sustentável"


Austeridade fiscal e descarbonização serão as prioridades do programa econômico verde, que prevê revisão de PAC e pré-sal
Economistas que apoiam a senadora acham que Estado é pesado e ineficaz e querem cortar gasto, mas prometem manter programas sociais

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL

O grupo de economistas e empresários que gravita em torno de Marina Silva, pré-candidata à Presidência pelo PV, considera o Estado brasileiro pesado e ineficiente e planeja cortar gastos. Rejeita, contudo, o rótulo de "neoliberal", que a senadora atribui à "satanização do debate". De formação de esquerda, Marina constrói um discurso econômico próximo a um "liberalismo sustentável".

A equipe descarta também a simbiose entre crescimento econômico e desenvolvimento que está na matriz do pensamento social-democrata -petista ou tucano. Para eles, crescer por crescer, sem "descarbonizar", é a receita do desastre.

"A necessidade de descarbonização das economias do planeta é inadiável, e obviamente o Brasil tem todas as condições de dar uma contribuição tanto na redução das emissões quanto no estabelecimento de um novo paradigma", diz a pré-candidata verde. "Acelerar não significa melhorar."

Não há ainda um grupo formal encarregado de formular um plano de governo. O alistamento de Eduardo Giannetti da Fonseca entre os apoiadores da pré-candidata do PV para a Presidência, contudo, lançou no ar a suspeita de "tucanização" da campanha.

A tese vem sendo reforçada pelas críticas verdes ao aumento das despesas correntes e à multiplicação de cargos comissionados no governo Lula. Os adeptos de Marina também não poupam o PAC e a euforia do pré-sal -críticas de "direita", se vistas da perspectiva dos ex-correligionários dela.

"Não estamos nem à esquerda nem à direita de Lula, mas à frente", rebate Alfredo Sirkis, vereador pelo PV no Rio e coordenador da pré-candidatura. "Queremos incorporar o que ele trouxe de bom e o que herdou de FHC. Não houve herança maldita, e o Lula sabe disso."

Num eventual governo do PV não haveria cortes em programas sociais como o Bolsa Família, apenas maior atenção para a chamada porta de saída (capacitação dos beneficiários).

O compromisso com austeridade fiscal seria evidenciado com medidas de impacto simbólico, como a extinção de pelo menos metade dos cargos comissionados de livre provimento, hoje em cerca de 23 mil.

Não se considera o Estado inchado, e sim "pouco republicano", nas palavras do empresário Guilherme Leal, da Natura, provável vice de Marina. Mas ele não quer nem ouvir falar em "Estado mínimo". "A discussão tem de ser eficiência e transparência do Estado, não tamanho", afirma Leal. "É inquestionável que o Estado tem de ser forte, indutor, regulador, provedor de serviços de qualidade." Além da Natura, Leal fundou o Instituto Arapyaú.

Não está definido ainda se o economista contribuirá diretamente com propostas para o programa de governo, que fica pronto em agosto. Pode ser que só se engaje em outro instituto, Democracia e Sustentabilidade, que congrega intelectuais próximos de Marina e será lançado em algumas semanas.

Há mais economistas e intelectuais dispostos a fornecer ideias para a campanha verde, mas não militância política. É o caso de José Eli da Veiga, da USP, especialista em sustentabilidade. Outros nomes já participam do grupo, como Sergio Abranches, sociólogo, Ricardo Paes de Barros, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), Samir Coury e Paulo Sandroni, da FGV.

O ponto de convergência entre eles é a ideia de descarbonização. A ameaça do aquecimento global exige uma desaceleração do consumo de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão), que lançam gases do efeito estufa na atmosfera e contribuem para aquecê-la.

Sem reduzir a emissão de carbono, não se pode falar em desenvolvimento, porque este não seria sustentável. Esse é o critério que definirá o sucesso ou o fracasso de toda economia nacional, portanto todo o debate econômico deveria ser prismado por ele. Nada a ver com o PAC e o pré-sal de Lula e de sua pré-candidata, Dilma Rousseff.

Folha de São Paulo, 14/03/2010

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