segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Artigo de Marina Silva

Outros passos


Depois de muitos adiamentos, foi finalmente lançado o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar. Apesar da demora, o ponto positivo é que foram levadas em conta as diretrizes defendidas pelo Ministério do Meio Ambiente desde que o debate se instalou no governo, em 2007. A proteção da Amazônia, do Pantanal e dos remanescentes de florestas nos demais biomas, assim como a observância da segurança alimentar, estão contempladas. Mas não ainda garantidas. São fundamentais medidas complementares para assegurar, de fato, a sustentabilidade da nossa produção de etanol e outros biocombustíveis.

É preciso impedir que a pecuária -que cederá espaço para a expansão da cana- migre de modo anárquico para a Amazônia ou outros biomas, agravando o que já ocorre.

Falta também política de incentivo para um salto tecnológico que eleve a produtividade na pecuária -cuja média nacional beira a uma cabeça por hectare- e incorpore o adequado manejo dos recursos naturais em suas práticas, a partir de tecnologias disponíveis na Embrapa e já adotadas por vários produtores. Dessa forma, será possível aumentar o rebanho e a renda do produtor e ainda liberar áreas para a produção de biocombustíveis, reflorestamento comercial e outras culturas, descartando novos desmatamentos, o que significa reduzir emissões de carbono.

Mas nada disso terá sentido se o projeto de lei for desfigurado no Congresso Nacional. É imprescindível um cuidadoso e consistente processo de articulação política que garanta a aprovação da proposta, de modo a que não se resuma a mera "boa intenção" do governo.

Outro passo necessário é estabelecer um processo de certificação independente para a produção de biocombustíveis, atestando o cumprimento da legislação trabalhista, ambiental e do próprio zoneamento. Estaria assim assegurada a sustentabilidade dos nossos biocombustíveis, tornando-os praticamente imbatíveis no mercado global. Apesar da forte resistência de alguns setores, o zoneamento sinaliza que é possível mudar o jogo e chegar a uma produção agrícola compatível com a economia descarbonizada do futuro. Sinaliza também que a virada começa numa nova qualidade de pensamento e planejamento estratégico para o setor agrícola.

Se o Brasil consolidar políticas nessa direção e assumir metas obrigatórias de redução de suas emissões totais, certamente chegará a Copenhague como referência para a negociação de um compromisso internacional decisivo na contenção do aquecimento global.

Reunimos as melhores condições, há que se perseverar na decisão politica para desempenhar esse papel.

Artigo publicado na Folha de São Paulo, 21/09/2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário