domingo, 20 de dezembro de 2009

Artigo de Marina Silva sobre a COP-15

O que foi feito de Copenhague


Enquanto escrevo este artigo, há movimentação na COP-15, a esperada convenção da ONU que deveria ter sido o grande momento histórico no consenso global para enfrentar as mudanças climáticas. É gravíssimo que não tenha sido. Pelos compromissos com força legal não acordados e, mais ainda, pela constatação de que as lideranças mundiais ainda não estão à altura do papel que as circunstâncias lhes delegaram. O que teve chances reais de ser decidido foi apenas delineado, empurrado para o futuro, talvez para a COP-16, no próximo ano, ou para além disso

O que li no Twitter da ONG brasileira Vitae Civilis dá a medida da perplexidade geral: “Nada que valha a pena tuitar: a COP-15 terminou com a saída à francesa dos líderes, das metas e do foco”. Como bem apontou o Correio Braziliense, nem a tradicional foto oficial dos chefes de Estado foi feita, o que simboliza o desconforto presente naquela que chegou a ser chamada de Hopenhague, em alusão à palavra esperança em inglês

A esperança sobrevive, mas agora se sabe que não há mágicas nem salvadores da pátria planetária. E que é preciso reconectar a política com a vontade das sociedades e com a substância dos fatos, das urgências, das decisões. O que se viu em Copenhague, em atitudes explícitas e implícitas de algumas lideranças presentes, foram movimentos em torno do tema poder, não do tema clima. Mudanças nessa postura também deveriam ser consideradas metas relevantes, quantificáveis e verificáveis, a serem alcançadas no esforço de adaptação da humanidade às mudanças climáticas.

Faltam ainda ousadia e capacidade operacional para agir acima de cálculos geopolíticos e interesses imediatistas. O microfone da COP-15 aceitou tudo em termos de distância entre discursos e ações, entre a retórica e o dever de casa não feito ou malfeito. Pois é esse dever de casa, com qualidade e coerência, dentro das possibilidades de cada um, que dará legitimidade e concretude às negociações.

Além do ambiente de protesto e mobilização, da reação de países pobres mais severamente atingidos pelas mudanças climáticas e dos problemas de organização, a COP-15 será lembrada pelo vaivém de chefes de Estado tentando fechar acordo de última hora para evitar o vexame. O que demonstrou a falta de envolvimento anterior para que o desfecho fosse o adequado e o esperado. Ficou para os técnicos e diplomatas o esforço ingente de dar roupagem apresentável a esquivas, descompromissos, lamentáveis irresponsabilidades e quedas de braço que refletem divergências de outras naturezas.

No mínimo desde a Rio 92 se sabia que chegaríamos à hora da verdade do clima. A correria para “fechar alguma coisa” revela o pouco que se andou em compromisso político nesse período em que se avançou muito em conhecimento e em engajamento da sociedade. É um desfecho injustificável, já que a capacidade das nações, especialmente as mais ricas, para enfrentar emergências ficou demonstrada em 2008, durante o auge da grave crise financeira global.

Verdadeira operação de guerra foi deflagrada e quantidade impressionante de recursos financeiros utilizada para blindar o mundo dos negócios. E para a crise mais grave ainda, a ambiental, que ameaça a segurança do planeta e coloca em risco imediato tantas populações, faltam determinação e dinheiro. À sociedade civil planetária resta a missão de empurrar seus governantes para as decisões que faltaram. Até aqui, ela tem obtido bons resultados, como é evidente no caso do Brasil.

Foi, sem dúvida, a pressão da opinião pública o principal fator por trás das relevantes propostas levadas pelo país à COP-15. É nessa governança— a participação cada vez maior da sociedade nas decisões de Estado – que reside a esperança que tem aguentado o tranco dos revezes e decepções. Participo das COPs desde 2003 e nunca havia visto tamanha mobilização e interesse no Brasil e no âmbito global. Esse é o maior sucesso de Copenhague, o que fez a diferença, inclusive para evidenciar a insuficiência de resultados, diante das expectativas.

O que será do Fundo Global para dar suporte aos países pobres no enfrentamento das mudanças do clima? Ainda não sabemos ao certo. Quais serão as obrigações com força de lei para cada país? Ainda não sabemos quando e como estarão no papel, assinadas. Sabemos apenas, pela observação dos últimos encontros, que a sociedade não deixará de fazer a sua parte. O que é um grande alento.



Marina Silva
Senadora, foi ministra do Meio Ambiente
Correio Braziliense – 20/12/2009

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