domingo, 20 de dezembro de 2009

Novas pesquisas eleitorais

Interpretando os números

O jornal O Estado de São Paulo divulgou, ontem, pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi, sob encomenda da Revista Isto É. Na pesquisa, José Serra (PSDB) aparece com 39% das intenções de voto, Dilma Rousseff (PT) com 18%, Ciro Gomes (PSB) com 17% e Marina Silva (PV) com 13%. A pesquisa apurou também que 69% dos eleitores avalia positivamente o Governo Lula.

Podemos dizer que esta pesquisa coloca Marina Silva numa condição bastante favorável. É importante considerar que Serra já foi candidato a presidente, é governador do estado mais importante do país e é apoiado por um grande partido. Dilma é ministra, tem o apoio de Lula e do PT, além de contar com todo o peso da "máquina governamental". Ciro é o deputado federal mais votado do país e já foi candidato a presidente duas vezes. Portanto, Marina é a pré-candidata menos conhecida, com menor visibilidade e com menor estrutura de apoio. Mesmo assim, está próxima de Dilma e Ciro. É uma demonstração de grande potencialidade eleitoral.

O jornal Folha de São Paulo divulgou, hoje, uma nova pesquisa do Instituto Datafolha. Na pesquisa, Serra aparece com 37%, Dilma com 23%, Ciro com 13% e Marina com 8%. Esta pesquisa mostra que as candidaturas de Ciro e Marina são fundamentais para assegurar um segundo turno, pois do contrário, Serra venceria ainda no primeiro turno. Isso evidencia que a estratégia de polarização da campanha entre PT e PSDB desejada pelo Governo Lula pode ser um erro. A pesquisa mostra também que a taxa de rejeição dos pré-candidatos é relativamente a mesma: Dilma tem 21%, Serra tem 19%, Ciro tem 18% e Marina tem 17%. O maior diferencial está na taxa de conhecimento dos pré-candidatos. Serra tem 93%, Ciro tem 89%, Dilma tem 80% e Marina tem apenas 51%. Isso significa que, com a menor rejeição e sendo a menos conhecida, Marina é a que tem maior potencial de crescimento.

Juarez de Paula

PV realiza Convenção Nacional

Sob nova direção

O Partido Verde realizou sua Convenção Nacional na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, ontem, 19 de dezembro de 2009. O plenário foi ocupado pelos dirigentes nacionais e as galerias estavam completamente lotadas por militantes do PV, de vários municípios do estado, numa positiva demonstração da capacidade de mobilização do partido. Os trabalhos foram abertos às 10h, por Maurício Brusadin, presidente do PV/SP, enquanto José Luiz Penna, presidente nacional do PV e Marina Silva, senadora do PV, davam uma entrevista coletiva.

A Fundação Verde Herbert Daniel apresentou seu portal web - http://www.fvhd.org.br/, onde está aberto o processo de revisão do Programa do PV e de discussão do Programa Brasil Sustentável, para a campanha eleitoral de 2010. Também foi apresentado o instrumento de doação financeira on line disponível no portal web do PV - http://www.pv.org.br/.

Assumindo a coordenação dos trabalhos, o presidente José Luiz Penna apresentou para aprovação os nomes de dez novos integrantes da Direção Nacional, indicados pela senadora Marina Silva: Luciano Zica, João Paulo Capobianco, Bazileu Alves, Roberto Kishinami, Rubens Gomes - Rubão, Adriana Ramos, Marcos Novaes, Eduardo Jorge, José Paulo Teixeira e Juarez de Paula. Foram aprovados por aclamação.

A senadora Marina Silva foi convidada a falar. No seu discurso, elogiou a ousadia do PV em cogitar o lançamento de uma candidatura própria para a Presidência da República e a urgência em incluir o tema do desenvolvimento sustentável na agenda do país. Fez uma detalhada análise da participação brasileira na COP-15, destacando o papel extremamente relevante das organizações não-governamentais. Criticou duramente a postura da delegação oficial do governo brasileiro, que considerou amadorística e eleitoreira. Registrou a enorme frustração da opinião pública internacional diante do fracasso das negociações e da ausência de acordos relevantes. Finalmente, agradeceu o entusiasmo com que tem sido acolhida pelos militantes do PV em todos os municípios do país onde tem participado de atividades políticas e concluiu dizendo que "do jeito que as pessoas me olham por todo o lugar onde ando, sinto que vai dar namoro."

Convidado a falar, o deputado federal Fernando Gabeira chamou a atenção para os grandes desafios da campanha eleitoral de 2010. Colocou a necessidade de seguirmos adiante com a agenda de conquistas que a sociedade brasileira vem construindo desde a redemocratização do país. Falou da relevância de outros temas, como a economia, a ética na política, a educação, a segurança pública, mas que todos deveriam estar subordinados a uma visão de desenvolvimento sustentável. Concluiu afirmando a enorme potencialidade representada por Marina Silva diante de outros pré-candidatos inventados pelo marketing eleitoral e a grande oportunidade para o crescimento do PV e da discussão sobre a sustentabilidade global.

Depois, o empresário Guilherme Leal fez uso da palavra. Iniciou dizendo que era a primeira vez que se filiava a um partido político, por não ter conseguido ficar indiferente ao convite da senadora Marina Silva. Falou de toda a sua vida dedicada a construir uma empresa comprometida com a ética e a sustentabilidade ambiental e do desafio de assumir uma tarefa política.

Encerrando os trabalhos, o presidente José Luiz Penna convocou a todos para saírem em passeata até o Monumento dos Bandeirantes, em frente ao Parque do Ibirapuera, concluindo a Convenção Nacional com um ato público. A imprensa estimou a presença de 1,5 mil participantes.

Juarez de Paula

Artigo de Marina Silva sobre a COP-15

O que foi feito de Copenhague


Enquanto escrevo este artigo, há movimentação na COP-15, a esperada convenção da ONU que deveria ter sido o grande momento histórico no consenso global para enfrentar as mudanças climáticas. É gravíssimo que não tenha sido. Pelos compromissos com força legal não acordados e, mais ainda, pela constatação de que as lideranças mundiais ainda não estão à altura do papel que as circunstâncias lhes delegaram. O que teve chances reais de ser decidido foi apenas delineado, empurrado para o futuro, talvez para a COP-16, no próximo ano, ou para além disso

O que li no Twitter da ONG brasileira Vitae Civilis dá a medida da perplexidade geral: “Nada que valha a pena tuitar: a COP-15 terminou com a saída à francesa dos líderes, das metas e do foco”. Como bem apontou o Correio Braziliense, nem a tradicional foto oficial dos chefes de Estado foi feita, o que simboliza o desconforto presente naquela que chegou a ser chamada de Hopenhague, em alusão à palavra esperança em inglês

A esperança sobrevive, mas agora se sabe que não há mágicas nem salvadores da pátria planetária. E que é preciso reconectar a política com a vontade das sociedades e com a substância dos fatos, das urgências, das decisões. O que se viu em Copenhague, em atitudes explícitas e implícitas de algumas lideranças presentes, foram movimentos em torno do tema poder, não do tema clima. Mudanças nessa postura também deveriam ser consideradas metas relevantes, quantificáveis e verificáveis, a serem alcançadas no esforço de adaptação da humanidade às mudanças climáticas.

Faltam ainda ousadia e capacidade operacional para agir acima de cálculos geopolíticos e interesses imediatistas. O microfone da COP-15 aceitou tudo em termos de distância entre discursos e ações, entre a retórica e o dever de casa não feito ou malfeito. Pois é esse dever de casa, com qualidade e coerência, dentro das possibilidades de cada um, que dará legitimidade e concretude às negociações.

Além do ambiente de protesto e mobilização, da reação de países pobres mais severamente atingidos pelas mudanças climáticas e dos problemas de organização, a COP-15 será lembrada pelo vaivém de chefes de Estado tentando fechar acordo de última hora para evitar o vexame. O que demonstrou a falta de envolvimento anterior para que o desfecho fosse o adequado e o esperado. Ficou para os técnicos e diplomatas o esforço ingente de dar roupagem apresentável a esquivas, descompromissos, lamentáveis irresponsabilidades e quedas de braço que refletem divergências de outras naturezas.

No mínimo desde a Rio 92 se sabia que chegaríamos à hora da verdade do clima. A correria para “fechar alguma coisa” revela o pouco que se andou em compromisso político nesse período em que se avançou muito em conhecimento e em engajamento da sociedade. É um desfecho injustificável, já que a capacidade das nações, especialmente as mais ricas, para enfrentar emergências ficou demonstrada em 2008, durante o auge da grave crise financeira global.

Verdadeira operação de guerra foi deflagrada e quantidade impressionante de recursos financeiros utilizada para blindar o mundo dos negócios. E para a crise mais grave ainda, a ambiental, que ameaça a segurança do planeta e coloca em risco imediato tantas populações, faltam determinação e dinheiro. À sociedade civil planetária resta a missão de empurrar seus governantes para as decisões que faltaram. Até aqui, ela tem obtido bons resultados, como é evidente no caso do Brasil.

Foi, sem dúvida, a pressão da opinião pública o principal fator por trás das relevantes propostas levadas pelo país à COP-15. É nessa governança— a participação cada vez maior da sociedade nas decisões de Estado – que reside a esperança que tem aguentado o tranco dos revezes e decepções. Participo das COPs desde 2003 e nunca havia visto tamanha mobilização e interesse no Brasil e no âmbito global. Esse é o maior sucesso de Copenhague, o que fez a diferença, inclusive para evidenciar a insuficiência de resultados, diante das expectativas.

O que será do Fundo Global para dar suporte aos países pobres no enfrentamento das mudanças do clima? Ainda não sabemos ao certo. Quais serão as obrigações com força de lei para cada país? Ainda não sabemos quando e como estarão no papel, assinadas. Sabemos apenas, pela observação dos últimos encontros, que a sociedade não deixará de fazer a sua parte. O que é um grande alento.



Marina Silva
Senadora, foi ministra do Meio Ambiente
Correio Braziliense – 20/12/2009

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Artigo de Marina Silva

Prazo para desmatar mais


A impunidade ganhou mais tempo. Mesmo com a previsão legal de prazo de até 30 anos para recuperar áreas de preservação permanente e da reserva legal já desmatadas, o governo deu mais três anos para que os proprietários façam a regularização ambiental de suas áreas sem serem incomodados pela fiscalização.

Apesar da boa intenção do título -Programa Mais Ambiente-, o decreto recém-editado pelo governo acaba por promover, na prática, uma anistia ampla, geral e irrestrita a todos os que desrespeitaram a legislação ambiental até agora. Entre as muitas causas do desmatamento, uma das mais fortes é a impunidade. E, lamentavelmente, o decreto acaba por lhe dar alento, favorecendo sem distinção quem desmatou nos últimos 15 anos. E que poderá continuar a desmatar hoje, sabendo que, se aderir ao programa, não pagará multa pela área desmatada.

Tal decisão compromete as iniciativas de regularização ambiental dos Estados que não criaram a "suspensão de multas". Além disso, vai na contramão do Superior Tribunal de Justiça, que vem julgando em favor da obrigatoriedade dos produtores de recuperar as áreas desmatadas acima do permitido, mesmo quando isso ocorreu antes da compra do imóvel rural.

Talvez esse seja o problema. Desde 2004, quando começou a ser implementado o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, o Estado brasileiro vem ampliando a sua capacidade de fiscalização. Com isso, o desmatamento vem caindo ano a ano, o que é bom para a sociedade, mas incomoda alguns.

Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), a maior parte dos proprietários rurais não deverá aderir ao programa, na expectativa de que o Código Florestal seja alterado em 2010.

Opinião compartilhada pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. Para ele, apesar do novo prazo, o agricultor, o pecuarista e o próprio governo terão dificuldades para cumprir as "exigências".

Ganhar tempo, nesse caso, não significa mais prazo para o agricultor adequar-se às leis ambientais, o que seria desejável se não fosse desnecessário, pois o Código Florestal já contempla essa situação.

Na prática, está dada a senha para a bancada ruralista manter a pressão para desmontar a legislação ambiental, duramente conquistada após a Constituição de 1988.

Ao ceder, mais uma vez, o governo perde a oportunidade de caminhar na direção correta. E coloca sob forte suspeita o compromisso anunciado de reduzir o desmatamento em 80% na Amazônia e em 40% no cerrado -pontos centrais da meta de redução de emissões de gases-estufa apresentada agora em Copenhague.

Folha de São Paulo, 14/12/2009.

contatomarinasilva@uol.com.br

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Artigo de Ricardo Abramovay

Ambiente: Copenhague coloca em jogo o sentido do crescimento econômico

Muito mais que o clima, discute-se o capitalismo

Por Ricardo Abramovay, para o Valor, de São Paulo 10/12/2009 p. D 10
"Mundo em Transe - Do Aquecimento Global ao Ecodesenvolvimento" - José Eli da Veiga
Editora Armazém do IPE. 128 páginas, R$ 19,00

A conferência de Copenhague é apenas o momento crucial de um amplo processo em que o capitalismo contemporâneo passa a incorporar elementos estranhos à lógica básica em torno da qual sempre funcionou. O que começa a se alterar são os parâmetros a partir dos quais se julga a utilidade e o sentido da vida econômica. É claro que o mercado não será suprimido e vai continuar oferecendo os sinais básicos pelos quais indivíduos e empresas se norteiam. Mas esses sinais terão que ir muito além dos preços, envolvendo dimensões que, para a esmagadora maioria dos economistas, só poderiam ser consequências não previstas, não antecipadas, não coordenadas das ações de cada unidade econômica individual. Um capitalismo em que o mundo importa pode parecer uma verdadeira contradição nos termos. É exatamente a esse paradoxo que uma parte crescente das ciências sociais contemporâneas se volta. A síntese desse movimento político e intelectual oferecida por José Eli da Veiga (professor titular do departamento de economia e do Instituto de Relações Internacionais da USP, colunista do Valor e autor de vários trabalhos científicos sobre o tema) em seu último livro é profunda e totalmente acessível ao leitor não iniciado.

A transição para uma economia de baixo carbono (tratada no primeiro capítulo do livro) pode ser encarada, é verdade, como um gigantesco processo de inovação, capaz de permitir que as economias se adaptem tanto à urgência de reduzir as emissões de gases de efeito estufa quanto à escassez de combustíveis fósseis. Nesse caso, o progresso tecnológico se encarregaria, por si só, de equacionar o grande desafio de nosso tempo, que é a luta contra o aquecimento global. E, de fato, como ensinam alguns dos mais destacados economistas contemporâneos, faz parte da corrida competitiva produzir inovações que reduzem a quantidade de matéria e de energia por unidade de produto. Assim, em tese, havendo liberdade de comércio e estímulo à inovação, o aquecimento global seria evitado por um descasamento ("decoupling"), entre o aumento da produção e a base material e energética em que o crescimento se apoia. À medida que matéria e energia vão encarecendo, produzem-se os meios pelos quais os protagonistas da inovação cumprem seu papel social de oferecer alternativas, ao mesmo tempo em que ocupam lugares privilegiados em novos mercados. Sob essa óptica, a questão ambiental é somente mais uma fronteira no incessante processo capitalista de inovação e em nada muda os objetivos e o sentido da vida econômica. O segredo é garantir o crescimento, medido por seu instrumento convencional, o produto interno bruto.

O problema desse raciocínio, como mostra o segundo capítulo do livro, é que, apesar de o descasamento relativo a cada unidade de produto acontecer de maneira cada vez mais frequente, ele é mais que contrabalançado pelo aumento da própria riqueza material, ou seja, pelo ritmo do crescimento econômico. Em última análise, é por essa razão que, apesar do declínio na intensidade material e energética (isto é. na quantidade de matéria, energia e até de emissões por unidade de produto em diferentes economias) o crescimento econômico mais que compensou o ganho relativamente a cada unidade produzida. Isso se deve não só ao aumento populacional total, mas, sobretudo, a um fator muito positivo, que é a redução da parcela da população mundial vivendo em pobreza absoluta e que, portanto, tem acesso a bens de consumo que antes não estavam ao seu alcance.

Se isso é verdade, então o desafio básico de Copenhague é socioambiental e não, fundamentalmente, tecnológico. Enfrentar esse desafio exige uma dupla revolução, à qual é dedicado o terceiro capítulo. Trata-se, em primeiro lugar, de devolver a economia a seu berço original, a ética, perguntando para que serve a riqueza e qual o sentido de aumentá-la de forma incessante, mesmo ali onde a psicologia econômica contemporânea mostra que seu poder para ampliar a felicidade humana é decrescente. A segunda revolução lança a economia num universo do qual ela sempre fez questão de se separar: a natureza. Não é infinita, nem pode ser regulada espontaneamente pelo mercado, a possibilidade de compatibilizar o aumento da prosperidade com a resiliência dos ecossistemas.

Mas quem imagina que esses temas básicos da economia ecológica (da qual Nicholas Georgescu Roegen e Herman Daly são os pioneiros) fazem parte de uma espécie de romantismo folclórico, com o qual pessoas e instituições sérias não perdem tempo, não pode deixar de ler o quarto capítulo do livro. Nos últimos dez anos, ética e resiliência dos ecossistemas ocupam lugar de destaque crescente na agenda do Banco Mundial, da OCDE e de várias agências das Nações Unidas. A comissão de desenvolvimento sustentável do governo britânico encomendou a Tim Jackson um relatório cujo título é emblemático: "Prosperidade sem crescimento: a transição para uma economia sustentável". Mas a expressão mais clara e mais recente desse processo é o relatório da Comissão sobre a Medida do Desempenho Econômico e do Progresso Social, formada por iniciativa de Nicolas Sarkozy, presidida por Joseph Stiglitz e para o qual contribuíram nomes do peso de Amartya Sen, Kenneth Arrow, James Heckman, Daniel Kahneman (os cinco, contemplados com o Nobel de economia), além do expoente da psicologia econômica, Cass Sunstein, do cientista político Robert Putnam, de um dos mais importantes especialistas em pobreza e distribuição de renda, Anthony Atkinsons, e também de Sir Nicholas Stern, autor do conhecido relatório que leva seu nome.

O livro de José Eli da Veiga não se limita a apontar a fragilidade do Protocolo de Kyoto e as óbvias dificuldades diplomáticas de Copenhague. Muito mais que isso, mostra a formação de algumas das condições para a grande transição de nosso tempo, que vai do aquecimento global ao ecodesenvolvimento. O livro será lançado segunda-feira, com um debate, às 16h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (São Paulo), do qual participarão Ladislau Dowbor, Paulo Itacarambi, e o próprio autor.

Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de economia da FEA/USP, coordenador de seu Núcleo de Economia Socioambiental (Nesa) e pesquisador do CNPq e da Fapesp ( www.econ.fea.usp.br/abramovay )

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Artigo de Ruth de Aquino

Ninguém é culpado de nada no Brasil



“Aproxima-se o tempo do mais desprezível dos homens, daquele que já não pode se desprezar a si mesmo.” Essa é uma passagem sobre “o último homem” de Assim falava Zaratustra, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, no fim do século XIX. Os homens públicos de hoje espalham propina pelos bolsos e pelo corpo, no suor das nádegas ou dos pés. Mais vergonhosa ainda é a certeza que eles têm da impunidade.

Já não existem bolsos nem sacolas suficientes para carregar dinheiro no alto escalão do governo em Brasília. Evaporaram os espaços para qualquer receio ou pudor. De tanto viver num país em que o presidente da República não sabe de nada e passa a mão na cabeça de ministros demitidos por corrupção. De tanto aprender que aqui ninguém é culpado pelo que pensa ou faz. De tanto ver personagens caídos em desgraça que, meses ou anos depois, retornam com pompas, paetês e panetones. De tanto testemunhar que corregedores, oligarcas, congressistas do alto e baixo cleros, presidentes de Conselho de Ética, ativistas de ONGs, comandantes do MST, prefeitos, governadores, chefes do aparato sindicalista são acusados de atos secretos, malversação, desvio, abuso, nepotismo, criação de cargos e, no fim, inocentados...

De tanto ver tudo isso, não surpreende que o governador de Brasília, José Roberto Arruda, sorria em público. Quem já foi flagrado dedilhando errado o piano de votação eletrônica não tem medo de caixa de Pandora. Pode abrir a caixa que quiser. Se o cofre estiver na casa de uma governadora, filha de um todo-poderoso, pode até ser aberto, mas será esquecido. São todos superiores, não podem ser tratados como pessoas comuns. Assim falava Zaralula.

As CPIs são fachadas para alimentar o circo, render manchetes, provocar a ilusão de providências.

O ex-corregedor da Câmara Edmar Moreira continua politicando. Foi seu partido, o DEM – o mesmo do governador Arruda –, que ameaçou expulsá-lo. Edmar dissera uma verdade: “Vamos parar de nos julgar uns aos outros, somos suspeitos pelo vício insanável da amizade”. Pegou mal, mas só. O imortal José Sarney, cuja renúncia do comando do Senado foi prevista tantas vezes neste ano de escândalos, permanece o mais incensado parceiro do presidente da República. Mas foi chamado de “grileiro e ladrão” por Lula, o filho do Brasil, em tempos combativos fora do Palácio do Planalto.

É essa a sensação hoje no país. Ninguém é culpado. Todos se sentem protegidos pela teoria do rabo preso conjunto. Nem os vídeos falam mais por si. Um dia depois de fazer pouco das imagens, Lula resolveu endurecer. Considerou “deplorável” a corrupção exibida. O PT exigiu impeachment do governador. Com que moral um partido que abafou um mensalão pode exigir impedimento? Todo mundo faz. Esse é o mantra de Brasília que torna qualquer investigação uma pantomima.

Lembram-se dos 432 apartamentos funcionais que sofreriam reformas de até R$ 150 milhões? Lembram-se do auxílio-moradia embolsado indevidamente até por Sarney “sem saber”? Lembram-se da verba indenizatória mensal de R$ 15 mil – uma grana extra dos deputados, que haviam prometido prestar contas à população? Lembram-se dos R$ 8,6 milhões em contas de celulares do Senado pagas com nosso dinheiro no ano passado? O que aconteceu com as promessas de moralização de gastos do Senado e da Câmara?

Estes últimos vídeos são particularmente abjetos. Foram fornecidos à Polícia Federal por um elemento beneficiado com a delação premiada para se safar de mais de 30 processos. Os maços de dinheiro são atochados dentro da cueca apertada pela barriga, dentro da meia no sapato social, distribuídos por bolsos externos e internos sem a menor cerimônia. As imagens têm o efeito de uma campanha de “deseducação em massa”. Se, no governo, todo mundo faz e se sente inocente, não importa o partido político, o povão olha e pensa: por que não eu?

Houve quem temesse, após os vídeos, por uma campanha eleitoral enlameada no próximo ano. Que nada. Se depender dos partidos, será limpa como nunca. Sob todos os telhados de vidro, só quem corre risco de se ferir é o eleitor.

RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br

Publicado na Revista Época - N° 603 - 05/12/2009

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Pesquisa CNI / IBOPE

Serra e Dilma oscilam em pesquisa; Ciro perde 4 pontos


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), oscilaram positivamente, dentro da margem de erro, na intenção de votos para presidente, de acordo com pesquisa CNI/Ibope divulgada ontem.

Já o deputado federal Ciro Gomes (PSB) perdeu quatro pontos no cenário que hoje se mostra mais provável.

Serra foi de 35%, obtidos em setembro, para 38%, em novembro, enquanto Dilma passou de 15% para 17%. Ciro tinha 17% e ficou com 13% agora, enquanto Marina Silva (PV) oscilou de 8% para 6%. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, o que deixa Ciro, por exemplo, no limite da margem.

A oscilação de Serra, segundo a CNI, foi ajudada pela exibição de comerciais de TV do PSDB em novembro. A pesquisa, feita de 26 a 30 de novembro e que ouviu 2.002 eleitores, foi realizada antes das inserções do PT em que Dilma aparece em destaque.

No cenário em que o candidato tucano é Aécio Neves, quem lidera é Ciro, com 26%. Dilma tem 20%, seguida pelo governador de Minas, com 14%, e Marina, com 9%.

A pesquisa também mostrou que Dilma ainda não é muito conhecida pela população. No levantamento, 32% declaram conhecer a ministra, o mesmo patamar do anterior. Esse desconhecimento contribui para um alto número de quem diz que não votaria na petista: o índice de rejeição é de 41%, contra 33% de Ciro e 29% de Serra.

O presidente Lula voltou aos níveis de popularidade anteriores à crise. Seu governo é avaliado como ótimo ou bom por 72%, e sua aprovação pessoal chega a 83%.

Folha de São Paulo – 08/12/2009

Artigo de Marina Silva

Culpa e vergonha



Nesses dias de novos e velhos escândalos na política aqui por Brasília, lembrei-me de um colóquio do psicanalista Ricardo Goldemberg, autor do excelente livro "Psicanálise e Política", que acompanhei com pessoas participantes de um dentre os vários grupos de estudos de uma escola de psicanálise da cidade.

Ao final de sua fala, talvez por estar no centro do poder, Goldemberg fez uma breve, mas muito relevante e significativa referência à diferença entre nosso "ethos" político ocidental e o dos asiáticos.

Não comparou culturas, mas evidenciou as diferenças de percepção e sentido do ato de cometer erros em cada uma das cosmovisões, sobretudo no que diz respeito ao trato da coisa pública.

Se bem entendi, na tradição asiática, o sujeito situa-se no mundo pelas mãos, olhar e escuta do grupo ao qual pertence-família, colegas do trabalho, comunidade-, o que resulta num peso incomum, para o coletivo, de tudo o que o indivíduo faz. Já na tradição ocidental, o referencial que orienta nossa conduta moral, ética e social está centrado quase que exclusivamente nas virtudes ou defeitos dos indivíduos.

Isso implica grande diferença na forma como as duas tradições lidam com o erro, a fraude ou os malfeitos em geral que campeiam no reino da política. Na primeira, o sujeito é reconhecido pela maneira como o grupo o aceita e empodera.

Assim, se qualquer atitude ou ação desabonadora individual se transforma em prejuízo material ou moral também para o coletivo, quando ela acontece, é fonte de grande e quase irremediável vergonha.

Na segunda, ainda que o pertencer a um grupo seja igualmente condição para situar-se no mundo, os erros e virtudes são predominantemente focados no indivíduo.

A atitude ou ação desabonadora que alguém fizer recai sobre ele mesmo. O prejuízo moral e ético, motivo ou não de culpa, terá um peso majoritariamente pessoal.

Lá, quando erram, a vergonha perante o grupo ao qual devem honra e satisfação é tanta que muitos chegam ao extremo de acabar com a própria vida.

Aqui, quando não tentam tapear a inteligência alheia com justificativas esfarrapadas, às vezes apelam a uma segunda chance, com juras de "lição aprendida". Isso quando não desaparecem por um tempo necessário ao esquecimento e voltam para repetir os mesmos erros e contravenções.

Seria muito bom para o Brasil se, nos casos que envolvem a ética pública e o dinheiro do contribuinte, para além da apuração dos fatos, julgamento rápido, isento e severa responsabilização criminal, houvesse arrependimento sincero, menos culpa e mais, muito mais, vergonha.

Folha de S. Paulo de 07/12/2009


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