sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Crise no DF

Crônica da renúncia que, anunciada, não aconteceu


Três e meia da tarde desta quinta-feira (18). Agripino Maia acabara de descer do avião, no aeroporto de Natal. Súbito, ouviu soar a campainha do celular.
Olhou o visor. Era Paulo Octávio. Atendeu. O governador interino do Distrito Federal informou ao líder do DEM: dali a instantes, renunciaria ao cargo.
Agripino perguntou ao interlocutor se ele comunicara a decisão Lula, E Paulo Octávio: “Comuniquei”. Tudo parecia correr como planejado.
Na véspera, ainda em Brasília, Agripino recebera Paulo Octávio em seu apartamento. “Renuncie”, o senador aconselhara.
“Se você ficar no governo, vai enfrentar dez meses de calvário diário. Isso não vai parar. Sua vida pública já está destroçada. Agora, as consequências serão pessoais, na sua vida, na rotina das suas empresas”.
Informado de que Paulo Octávio solicitara audiência a Lula, o senador sugerira: “Não vá lá para pedir proteção, não faça isso. Se o Lula te receber, comunique a ele que você está renunciando”.
Paulo Octávio concordara com cada palavra. Deixara o apartamento de Agripino decidido a abdicar do governo. Sua saída seria formalizada no dia seguinte.
Ainda na noite de quarta, redigiu a carta de renúncia. Escreveu um, dois rascunhos. Na terceira versão, deu o documento por acabado. De manhã, foi ao encontro de Lula.
Um assessor do presidente ligara à noite. Avisara que o presidente, depois de lhe dar o “bolo”, finalmente o receberia. Na conversa com Lula, mencionou a renúncia.
Ao deixar o gabinete do presidente, pendurou-se ao telefone. Contou a amigos e partidários o que depreendera da conversa. Lula torcia o nariz para o pedido de intervenção federal no DF.
Nada que o fizesse, porém, desistir da idéia de renunciar. Almoçou com o jornalista Mario Rosa, gerenciador de crises. Discutiram o formato da renúncia.
Depois, informou aos secretários de governo sobre a saída. Entregou a carta redigida na noite anterior à líder do DEM na Câmara do DF, Eliana Pedrosa.
Antes de tocar para Agripino, ligou para o seu advogado, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Concovou-o à sede do GDF. Queria ouvi-lo sobre as repercussões da renúncia no inquérito do panetonegate.
Kakay tranqüilizou o cliente. Disse-lhe que, fora do governo, sairia das manchetes. “Diminui a pressão política. Não há coisa melhor para um advogado do que o cliente fora da mídia”.
E quanto ao pedido de intervenção?, o quase ex-governador interino quis saber. E Kakay: “A tese cresce. Aumentam as chances de acontecer a intervenção”.
Paulo Octávio isolou-se numa sala contígua. Ao retornar de uma reflexão solitária de 15 minutos, a reviravolta: “Não vou renunciar, vou para o enfrentamento”.
Àquela altura, uma legião aguardava, na sala de entrevistas, o anúncio da saída. Repórtres, secretários de governo, deputados distritais. Em vez da renúncia, sobreveio o “fico”.
A carta está pronta, disse. Porém, “eu aguardo mais alguns dias, como me recomendou o presidente Lula”.
Ao injetar Lula na pantomima, Paulo Octávio irritou o presidente. E levou a cúpula do DEM à exasperação. Lula ordenou um desmentido. Desautorizado, Paulo Octávio se desdisse, em nota. O presidente não recomendara que ficasse, admitiu.
“O Lula que carregue o Paulo Octávio no colo”, reagiu Agripino Maia, alheio aos desmetidos. “Não entendi nada. Depois da comunicação tácita que ele me fez, uma presapada dessas! Estou perplexo.”
Agripino comprometera-se com Demóstenes Torres (DEM-GO), a acomodar a assinatura no pedido de expurgo de Paulo Octávio do partido.
Mas não se juntara ao pedaço do DEM que advoga a expulsão sumária do filiado encrencado. Defenderia na reunião da Executiva a abertura de prazo para a defesa.
O processo rolaria durante meses. E o futuro de Paulo Octávio na legenda seria condicionado à evolução das denúncias.
Ao renunciar à renúncia, o governador interino retirou da boca dos que o defendiam no partido a última réstia de argumento.
O deputado Rodrigo Maia (RJ), que também não aderira à turma do “mata e esfola”, ecoou Agripino: “Estou perplexo. Hoje, a situação é pior do que era ontem. Esse ziguezague da renúncia levou a uma deterioração. A situação dele no partido piorou”.
Em novo telefonema a Agripino, Paulo Octávio pediu desculpas. E informou que decidira antecipar-se ao vexame da expulsão. Vai se desfiliar do DEM até segunda-feira.
À estupefação seguiu-se o alívio. Livre do problema principal, o DEM vai cuidar, na reunião da Executiva, apenas do dissabor secundário. Será dissolvido, na próxima quarta, o diretório do DEM no DF, hoje controlado por Paulo Octávio.
Na Câmara Legislativa, a bancada do panetone, que já flertava com uma súbita conversão à probidade, terminou de esfacelar-se.
Pela manhã, aprovara-se na Comissão de Justiça a abertura do processo de impeachment contra Arruda, o titular preso.
No final da tarde, em reunião de emergência, colocou-se para andar também o processo de cassação de Paulo Octávio, o vice da “desrenúncia”.
Afora o governador interino, não há em Brasília muitas vozes que se aventurem a apostar na longevidade da administração provisória de Paulo Octávio.
Ecoam sobre a cidade as palavras de Agripino da última quarta: “Se você ficar no governo, vai enfrentar dez meses de calvário diário. Isso não vai parar”.

Blog do Josias de Souza, 19/02/2010
http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/

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